O setor marítimo está no “rumo certo” para enfrentar os desafios da sustentabilidade, tendo identificado os problemas e estando a trabalhar para ultrapassar os desafios. São palavras da professora Manuela Batista, da Escola Superior Náutica Infante D. Henrique, no âmbito da SIM’24, a primeira conferência internacional sobre iniciativas sustentáveis no setor marítimo, que decorreu até esta quarta-feira, 19 de junho, em Oeiras.

Em declarações à Supply Chain Magazine, Manuela Batista, membro da comissão organizadora, contextualizou esta conferência com a parceria desenvolvida desde 2018 com duas universidades norueguesa, a NTNU – Norwegian University of Science and Technology e a ISN – University od South-Eastern Norway.

Esta será uma conferência a realizar de dois em dois anos, com a próxima edição, em 2026, a acontecer na Noruega. A propósito, a docente dá conta de que a Câmara Municipal de Oeiras anunciou o seu apoio à iniciativa, quer financeiro, quer com infraestruturas.

Quanto à escolha do tema, foi consequência natural dos projetos em curso, que incidem sobre áreas como a descarbonização marítima, a digitalização, a robótica e a inovação. “Temos projetos comunitários e no âmbito dos EEA Grants, com verbas alocadas às questões da sustentabilidade”, pelo que não faria sentido ser outra temática”, comentou.

Além disso, a sustentabilidade no setor é alvo de regulamentação, nomeadamente comunitária, o que aumenta a acuidade do tema. Ao mesmo tempo, e de acordo com a porta-voz da conferência – “tem havido necessidade de acompanhar o que está a acontecer na ferrovia, na rodovia e no transporte aéreo, bem como as exigências da sociedade em relação à pegada de carbono”.  O setor marítimo pretende, pois, contribuir para este movimento e inovar. Prova disso são as diretrizes emanadas da própria Organização Internacional Marítima (IMO).

Entre os desafios está o da digitalização, com Manuela Batalha a reconhecer que há algum atraso face a outros setores. Automação, a propulsão nuclear para navios mercantes e a eletrificação, com a introdução de baterias, são outras das questões em cima da mesa.

Do ponto de vista da digitalização, uma das novidades trazidas pelos dois dias de discussão envolve a utilização de modelos matemáticos de previsão para a tomada de decisão, contribuindo para a maior eficiência e otimização das operações, logo, tendo reflexo na sustentabilidade.

Quanto à descarbonização, o tópico central prende-se com a escolha de novos combustíveis, da amónia ao hidrogénio, passando pelo gás natural liquefeito, tendo emergido desta conferência a certeza de que não haverá apenas um combustível alternativo, mas, sim, vários, que coexistirão com os fósseis.

Logística marítima e supply chain

Estes temas estiveram em foco nas várias sessões, nomeadamente na de dia 19 que abordou a logística marítima e a gestão da cadeia de abastecimento. Uma sessão presidida pelo capitão José Cavaco, da Marinha Portuguesa, que deu a conhecer o projeto AOR+, que envolve a construção de dois navios de abastecimento e logística. Em causa, aumentar as capacidades da frota portuguesa no que toca ao abastecimento em mar – de água, alimentos, combustível ou materiais -, mas também de apoio ao desembarque e de suporte a operações humanitárias. São – disse – navios preparados para os próximos 40 anos, sendo que o primeiro deverá ser entregue no segundo semestre de 2027 e o segundo no início de 2028. Permitirão maior flexibilidade de operações, com carga à medida de cada missão, com uma tripulação reduzida ao máximo (50 pessoas) por via da automação.

Seguiu-se o tema da descarbonização, protagonizado por Viktoriia Koilo, professora da NTNU, e que abordou os diferentes conceitos associados, nomeadamente carbon offest, carbon neutral e zero carbon. Além disso, salientou que a logística do setor marítimo é um processo que envolve outras cadeias de abastecimento, com custos inerentes. Deu como exemplo os impactos da atual situação no Mar Vermelho, que estão a conduzir ao desvio das rotas, com o aumento do tempo de trânsito a implicar um aumento das emissões de dióxido de carbono – uma média de 1,35 toneladas por contentor, face ao valor anterior de 1,07 toneladas.

Foi ainda sobre descarbonização que interveio Camilo Lima, investigador da escola anfitriã, para partilhar um estudo de caso em curso, e que envolve uma parceria com o Instituto Superior Técnico: em causa a integração da sustentabilidade nos planos estratégicos e nos planos táticos, tendo como cenário a indústria da cana do açúcar no  Brasil. O que está a ser avaliado é qual é o ponto de equilíbrio entre os custos de investimento e os benefícios ambientais. Na sua ótica, “o preço da sustentabilidade serve como ferramenta para uma organização mostrar aos seus parceiros os esforços que tem desenvolvido e incentivar os governos a definir políticas de incentivos”.

Outro desafio que o setor marítimo enfrenta é o da digitalização e foi precisamente sobre ele que se centrou a intervenção seguinte, a cargo de Carlos Gomes, da Universidade de Aveiro. Em causa a importância dos dados e da constituição de plataformas que permitam extrair informação útil para a tomada de decisão. Conhecer a origem dos dados aumenta a transparência, a traçabilidade e a confiança, sustentou, partilhando alguns exemplos que envolvem o Porto de Sines.

A sessão finalizou com a apresentação das linhas principais do estudo “Sistema de inovação e o desempenho dos portos: o caso português”, promovido pela Escola Superior Náutica Infante D. Henrique. Vítor Caldeirinha, um dos autores, elencou os vários fatores que estão a ser contemplados na análise e que podem influenciar o desempenho – do fator humano à cultura de inovação -, para defender que é fundamental que a inovação tenha impacto, contribuindo para otimizar as operações.