Todas as semanas observamos notícias com as palavras “ruptura” e “sustentabilidade” do SNS. Todas as semanas desde 2011 (Notícia Aqui)… até agora (notícia Aqui). Muito debate, muitas áreas, muitas decisões e estratégias a ter que ser tomadas para ontem. A Logística, não sendo uma actividade core do Serviço Nacional de Saúde (SNS), é fulcral para a sua existência e eficiência.
Quando se fala dos problemas do SNS, o usual é focar atenção na falta de meios e profissionais de saúde. Pouco a pouco já se questiona a gestão (Aqui). A Logística não é “atacada” directamente porque de facto, os temas acima citados, são muito mais relevantes. Contudo, a Logística deve desde já antecipar e procurar fazer parte da solução, ou seja, fazer o que diz a sua génese de fazer acontecer, sempre de uma forma eficiente.
A “pergunta de um milhão” é o que pode fazer (e faz) a logística pelo SNS e pela eficiência tão desejada?
Assim, apresento 5 actividades que podem ser executadas em qualquer organização como forma de redução de custos. Não são a fórmula do sucesso. Muitas vezes essas fórmulas fazem-se com investimentos de muitos €’s para também obter retorno de outros tantos.
O objetivo é propor soluções simples, one-shot, eficazes e sem investimento pesado.
1) Fotografia do Armazém e processos internos
“- Falta espaço para nos conseguirmos organizar.
– Normalmente falta organização para existir espaço.”
O primeiro trabalho a realizar é o de análise de dados. É necessário ganhar umas horas a trabalhar dados. Stocks, linhas produzidas, linhas devolvidas, rotações, o que for relevante.
Cada organização, com os dados possíveis, deve explorar e trabalhar a informação disponível.
Por vezes, é necessário sermos criativos. Cruzar dados, cruzar bases de dados, perguntar à equipa de IT se é possível retirar do sistema isto ou aquilo. É muito trabalho, mas é crucial.
Depois da fotografia, é preciso uma estratégia. Como organizar o armazém: por dimensão, rotação, valor, periodicidade, o que for. Nunca esquecer a parametrização dos produtos e espaços.
Questione até o seu layout físico. As organizações mudam, os espaços também precisam de acompanhar as mudanças.
Por fim, é preciso ir ao terreno. Aplicar toda a teoria estudada e explorar outros pontos como a organização dos consumíveis, resíduos, áreas de expedição e recepção.
Não esquecer: as mudanças podem ser one-shot, mas a monitorização tem de ser constante.
Pode até acontecer analisar toda a parte teórica e concluir que o seu armazém está de acordo com o esperado. Perfeito! O facto de validar o armazém torna a organização melhor! Já estamos onde cremos e podemos colocar novos objectivos.
Nota: Felizmente, já existem muitas organizações com sistemas de informação que permitem ganhos em cada simples operação de logística que realizam. Desde a recepção do produto até ao consumo no utente. Estas organizações estão uns furos muito acima da média. Contudo, um sistema de informação sozinho, sem uma gestão omnipresente e dados bem parametrizados, pode tornar-se rapidamente um “fardo” e não uma mais valia.
2) Transportes e Distribuição
Ao analisar muitos relatórios de contas de centros hospitalares e unidades locais de saúde do nosso país, foi interessante contabilizar a quantidade de veículos que algumas organizações apresentam nas suas fileiras.
Sabemos que, principalmente as unidades que abrangem grande espaço territorial, necessitam de transporte e frota. Mas algo me diz que existe muito a explorar. Existem unidades de saúde com 5 viaturas, mas também unidades com 50. Se são necessárias tantas (ou poucas) é um estudo de caso a caso.
Viaturas = Amortizações + Manutenções + Inspeções + Reparações + Gasóleo + Pneus + Motoristas + Seguros +…
Quantos km fazem as viaturas? Onde fazem esses km? Quantas horas trabalham por dia?
É um erro pensar: “só porque uma viatura está amortizada, já não apresenta um custo para a organização”. Os custos de manutenção podem ser absurdos e são custos “cinzentos” porque aparecem de tempos em tempos e muitas vezes não são contabilizados ou somados.
Estude as necessidades da organização, as rotas e horários. Uma viatura a menos é sempre ganho. Fazer um rigoroso controlo de custos da frota é meio caminho andado.
3) KPI’s – Está tudo bem?
Quantas linhas por dia? Pedidos? Quantos kg transportados? Valores consumidos? Perdas?
Velha história, mas que é fulcral. Saber onde estamos e competirmos com o nosso mês anterior e com o nosso melhor mês pode ser das comparações mais simples para aferição dos nossos níveis de serviço.
Ideal será uma “comparação do que é comparável” com outras instituições de saúde. Isso quando possível é perfeito para subirmos uns pontos em melhorias na nossa operação. Coscuvilhice, neste caso, é bom.
Escolha 5 ou 6 indicadores e acompanhe mensalmente. Não esquecer a partilha com os seus colaboradores.
4)Erros, danos e inventários incorrectos
Toda a vida nos disseram que se aprende muito com os erros.
É bem verdade. Normalmente, quando aparece um erro, a primeira coisa a fazer é resolver. Óbvio.
Depois de resolvido, poucas são as pessoas que analisam o erro e fazem planos de acção correctiva.
Erro resolvido, assunto encerrado. É um erro pensar assim. Mais tarde ou mais cedo esse erro vai aparecer novamente.
Controlar tudo e todos, pode não ser exequível. Aposte, por exemplo, no controlo diário dos 20% dos produtos com maior rotação ou com maior valor.
Uma boa gestão de reclamações (internas e externas), inventários certos e planos de contingência e mitigação bem delineados, são actividades que geram muito saving para a organização. Desafio a contabilizar esses possíveis ganhos.
5) Rouparia e KG perdidos
Apesar de não ser de âmbito directo da Logística, a roupa hospitalar merece uma reflexão.
Roupa própria ou roupa de alocação, toda a roupa hospitalar tem custo. Custo de aquisição, custo de lavagem, custo de distribuição externa (Lavandaria – Hospital) e interna (Rouparia – serviços internos), entre outros. Todos estes custos apresentam muito peso no bolo final dos custos hospitalares.
Contudo, atrevo-me a dizer que, o pior custo que muitas vezes não tem a atenção devida, é o custo da perda. Cerca de 20% de roupa (se não for mais) desaparece anualmente dos hospitais públicos. O desaparecer pode ser a roupa a sair dos hospitais (transportes de doentes, altas, …) ou mesmo desaparecer dentro do próprio hospital (sim, também acontece ficar perdida/escondida nos serviços).
Não é de fácil controlo. Não nos podemos esquecer que os quilos de roupa lavada podem não pesar o mesmo que a roupa suja. Além disso, estar a contar roupa não é solução (roupa infectada ainda por cima…). Para não falar de ser uma actividade dispendiosa para o retorno que pode gerar.
Mais uma vez, cada caso é um caso. Mas todas as organizações, com procedimentos acordados com os profissionais de saúde, devem ganhar tempo a pensar e actuar sobre este tema.
6)Todos os colaboradores como parte da solução.
Os colaboradores no terreno, pensam e resolvem os problemas do dia-a-dia sempre de maneira muito prática (para o bem e para o mal).
São uma boa fonte de ideias. Mas claro, o gestor tem de saber filtrar e saber gerir expectativas…
Caso: Num armazém, foram pedidas oportunidades de melhorias. Um dos colaboradores mencionou se a etiqueta das “caixas completas”, de certos produtos de um laboratório, tivessem código de barras (com referência, lote e validade), ele pouparia uns segundos a colocar a informação no PDA e evitava erros.
Quando reflectimos sobre a ideia, concluímos que para isso acontecer, tínhamos de fazer uma etiqueta e imprimir cada vez que chegava um lote novo daquele produto. Os custos de impressão de etiqueta, ainda por cima com produtos de alta rotação, mais os riscos de erro ao trocar lotes e a inserção de dados incorrectos no sistema ….bem, por momentos vimos que o investimento avultado não fazia sentido para os ganhos a obter.
Simples ideia, simples resolução. Expôs-se a oportunidade de melhoria ao laboratório em questão.
Passado uns meses, as caixas desse laboratório começaram a chegar com código de barras. O trabalhador poupou os segundos que tinha pensado, o SNS poupou milhares de segundos e evitou erros de inserção de dados!
Aquela melhoria não teve incidência só naquele trabalhador, mas em todos os colaboradores de armazéns, farmácias, hospitais e centros de saúde que tinham de inserir “à mão”, nos sistemas informáticos, as informações básicas dos produtos…
As simples ideias podem ter resoluções simples e resultados avassaladores.
Notas:
5 Pontos que envolvem 0€ de investimentos, desenvolvimento informáticos e outros.
5 Pontos que são actividades one-shot que devem ser repetidas e monitorizadas periodicamente (não só uma vez por ano).
5 Pontos que são trabalhosos. Porque se não fossem, alguém já os tinha feito.
5 Pontos que não vão salvar da “ruptura” e não são a solução premium da “sustentabilidade” do SNS, mas podem ser uma ajuda.
5 Pontos que afinal são 6.
Rui Freire, Gestor de Operações em Logística Hospitalar