Foi na noite da terça-feira passada que aterrou no aeroporto Sá Carneiro, na Maia, um Antonov NA – 124, o segundo maior avião de carga do mundo, com 80 toneladas de material médico, como 3,5 milhões de máscaras cirúrgicas, 300 mil toucas, 100 mil batas e outros equipamentos de protecção para os profissionais que combatem diariamente o Coronavírus.

Mário Sousa, Administrador da Portocargo, em declarações ao Expresso, refere que “estamos a falar de 500 m3 de carga, numa operação brutal montada em contra-relógio para a Direcção Geral de Saúde, com muitas dores de cabeça, pressão e insónias pelo meio. Foi um voo entre a cidade chinesa de Xangai e a Maia, com duas escalas. Foi um contrato fechado no limite, como nas grandes transferências dos jogadores de futebol”.

Neste caso, trabalhar em contra-relógio significa ter apenas uma semana para organizar tudo e para lidar com “preços muito inflacionados”, afirma Mário Sousa.

As operações logísticas à escala global têm vindo a ser bloqueadas devido ao encerramento dos portos chineses durante oito semanas, e mesmo após o pico da pandemia na China, quando tudo aparenta voltar ao normal, “continua a haver fortes congestionamentos”, indica o responsável.

Como muitos contentores ficaram retidos na China sem poderem realizar o circuito normal entre portos internacionais, isso significa que o resto do mundo começou a dar por falta destes contentores para carregar as mercadorias com destino à Ásia. Em causa estão ciclos de navegação de mais de 30 dias entre Xangai e Portugal, ou superiores quando o destino é Roterdão. As esperas são longas e o prejuízo acentua-se.

No meio deste cenário, houve contentores de temperatura controlada que tiveram de ficar retidos nos navios porque não haviam tomadas suficientes para os manter nos portos.

“E agora, que tudo começa a normalizar na China, os problemas estão deste lado do mundo. Há carga a caminho de Portugal e da Europa que vai chegar e não vai poder ser entregue nas empresas de destino porque estas, entretanto, fecharam”, explica Mário Sousa.

Além de tudo isto, há ainda a questão da validade das cartas de crédito e das cargas que não podem ser entregues porque os prazos estipulados para as entregas e pagamentos foram ultrapassados e têm, agora, de ser prorrogados ou são anulados. O Administrador da Portocargo salienta que “temos muitos compradores que optam por desistir da carga, mas quando as entregas são urgentes, vemos os compradores a darem tudo para transferir a carga marítima para aviões e como a capacidade de resposta na frente aérea é limitada, os preços disparam automaticamente”.

O mundo tem uma grande dependência da “grande fábrica da China”, mesmo em itens como equipamentos médicos e, neste âmbito, a Europa parece ter sido apanhada de surpresa pela evolução da pandemia.

Mário Sousa conta que a Europa comprou muitas máscaras à China que acabaram por ser revendidas ao país de origem, com ganhos, antes da declaração de pandemia pela Organização Mundial de Saúde, algo que também aconteceu em Portugal.

O responsável explica “o que aconteceu foi simples: O surto apanhou a China em força, mas a Europa nunca pensou que pudesse chegar cá da mesma forma, por isso revendeu os equipamentos médicos, reduziu stocks e, depois, foi apanhada completamente desprevenida. E agora, além de ter de ficar à espera, tem de pagar mais para ter as coisas. O preço das máscaras importadas da China basicamente quadruplicou. É a lei da oferta e da procura”.

No caso da Portocargo, habituada a trabalhar mais fora da Europa nos transportes aéreos e marítimos, o seu principal mercado de importação é a China, que valerá 70% da quota da Ásia e representa, anualmente, um total de sete mil contentores operados pela sua equipa.

Da China a empresa traz itens para todos os sectores, desde matérias-primas a produtos acabados, como indica Mário Sousa. Assim, sabe que muitas fábricas portuguesas tiveram dificuldades em responder a encomendas e muitas nem conseguiram acabar a produção. Por isso mesmo, não antevê que haja uma escalada no preço das cargas da Europa para a Ásia, pois “como as fábricas, agora, estão quase todas fechadas, acaba por não haver grande pressão quando os navios chegarem à Europa”, salienta.

Actualmente, na carga aérea o que está realmente a ser transportado é o material de protecção e os equipamentos para profissionais de saúde.

Por via terrestre, na Europa, Mário Sousa admite que a reabertura de fronteiras entre países da União Europeia traz atrasos à circulação dos camiões de mercadorias e isso também significa uma subida dos custos logísticos com impacto inevitável nos preços finais. Em tom de alerta, o Administrador refere que “quanto mais cercas sanitárias se montarem, mas desarticulada ficará a cadeia logística e mais subirão aos preços dos produtos para todos, consumidor final incluído”.

Contudo, nesta fase, o fluxo nas fronteiras é limitado, pois muitas fábricas estão paradas e as lojas fechadas, o que significa que os atrasos actuais num camião que vem do centro da Europa, não poderá passar as 24 horas.