Até sermos assolados por esta desconcertante pandemia, e, não tenhamos ilusões, sê-lo-emos por muito mais tempo, havia um conjunto de verdades absolutas e universais na logística, sobretudo no que se refere à gestão de stocks. Será que ainda fazem sentido enquanto a pandemia durar? E no pós pandemia, voltaremos a tê-las a guiar as provisões logísticas? Confesso que duvido.
De entre os lugares comuns, constava que gerir stocks é garantir a confiabilidade da empresa e do produto. Um bom planeamento de stocks ajuda a conseguir boas margens de lucro. Stocks em falta ou excesso são tempo e dinheiro desperdiçados. Acompanhar prazos de validade, bem como o estado de conservação dos produtos, é vital.
De entre muitas outras que poderia elencar, e que o leitor bem conhece, estas são algumas das velhas máximas de uma excelência na gestão de stocks e da supply chain. Em duas palavras bem simples: tudo mudou.
A crise sanitária trouxe o desconhecido. Cenários que nunca qualquer organização ousou prever. Reagiu-se, e reage-se ainda hoje, a tatear a forma que se pensa ser a mais acertada. Vieram medos acrescidos. Parar produções, e não as vendas, foi a opção tomada por muitas empresas. Uma decisão contranatura, ao arrepio dos procedimentos de toda uma vida, em que tentar que os fluxos de entrada fossem idênticos aos de saída sempre foi o fito. Hoje, temos de ter excessos.
Agora, para além da sazonalidade, da época do ano em que se está, dos períodos de férias, das épocas festivas, temos mais um titã da logística, maior e superior a todos, ao qual acresce o fato de os hábitos de consumo estarem absolutamente alterados. Mais uma variável a considerar e tatear neste complexo xadrez que se cria a cada dia que passa.
A imprevisibilidade de uma pandemia, que fecha e abre restaurantes, que fecha e abre superfícies comerciais, que condiciona a grande distribuição, que traz novos hábitos ao consumidor, que trouxe um papel preponderante ao comércio de proximidade, fez com que prever o amanhã logístico seja quase um absoluto exercício de adivinhação.
E o amanhã, meus companheiros de logística, fez impender um peso gigantesco nas nossas produções, nas nossas operações, nas nossas pessoas.
Agora, ainda mais que antes do Coronavírus, se uma produção parar, e se não tiver stocks de sobrevivência, morre. Morre enquanto produto, morre porque não está disponível na prateleira do mini, super ou hipermercado, e, portanto, morre nas vendas. Morrer pode ser considerada uma palavra forte, mas na realidade que vivemos, uma marca que não esteja disponível na prateleira (e pode ser uma prateleira virtual) não se compra e, portanto, não existe, sendo o seu espaço ocupado de imediato por outra.
No cenário que vivemos e continuaremos a viver, porque nunca sabemos com os mesmos índices de previsibilidade que caraterizavam a era pré-pandemia, quanto e quando se vai vender, é obrigatório ter produção em excesso para garantir que o produto está no maior número de locais possível e gera o máximo de vendas possível.
Ao contrário do passado, inventário ou stocks parados são uma mais-valia para as marcas e não dinheiro desperdiçado. Aguardam a janela da oportunidade, para vender o máximo e garantir zero ruturas, dada a previsibilidade do mercado ser muito volátil, fazendo com que não desapareçam do carrinho de compras do consumidor.
Sara Monte e Freitas, Partner | Expense Reduction Analysts