Transformação digital. Expressão potencialmente candidata à mais procurada no Google em 2021. Já andava muito na moda, mas com o Plano de Recuperação para a Europa, formalizou-se como um pilar fundamental do plano europeu.
Na minha opinião, a parte mais importante da expressão é a palavra transformação. Quando falamos em transformação digital nas nossas empresas, estamos realmente a falar em transformar?
Há tempos encontrei uma forma que me parece bastante simples de organizar o tema, e com isso organizar também a forma como comunico e como estabeleço prioridades. Deixo aqui a minha contribuição.
Se estamos a implementar tecnologia para melhorar processos existentes, com o intuito de os tornar mais eficientes, então verdadeiramente não estamos a transformar. Quando muito, estamos a automatizar, simplificar, desburocratizar, encurtar tempos de resposta, eliminar papel, etc. Para o efeito da explicação, vou usar o termo automatizar para me referir a esta ideia.
Por outro lado, se estamos a implementar tecnologia digital para criar novos modelos de negócio e novas revenue streams, novas formas de interagir com o cliente e de entregar valor ao cliente, tirando partido das infinitas possibilidades criadas pela ubiquitous connectivity (isto é, toda a gente ligada a redes móveis a toda a hora e com o telemóvel na mão), então na minha perspectiva estamos realmente a transformar.
Esta distinção pode parecer um preciosismo. Mas é importante fazer a separação porque na minha opinião as estratégias a adoptar são bastante diferentes.
Automatizar. A utilização de tecnologia para melhorar processos é algo que está connosco há mais de 30 anos. Lembra-se do conceito de Business Process Re-engineering? Remonta ao início da década de 90. Este conceito procura optimizar processos de negócio, muitas vezes recorrendo a tecnologia para tornar os processos mais eficientes. A mensagem-chave é que todas as empresas devem perseguir obsessivamente a optimização de processos, e a tecnologia está extensamente disponível e com provas dadas. Na minha opinião, as empresas nao têm outra opção, têm que executar e rapidamente. Caso contrário, perderão competitividade no mercado e de forma acelerada. Utilizar tecnologia digital para optimizar processos tem como consequência, na maioria dos casos práticos, a redução de custos directos ou indirectos, portanto a melhoria do bottom-line. Muitas vezes, o efeito destas tecnologias é algo que os nossos clientes finais não chegam a percepcionar.
Transformar. Transformação digital é muito mais do que automatizar, desburocratizar, simplificar. Verdadeiramente, transformação digital começa com um processo que nada tem a ver com bits e bytes. Começa com a observação do cliente ou consumidor (customer-centric), cujas expectativas estão em transformação. É um exercício de humildade e de abertura, de desafio ao status quo, de aceitar que as forças vivas do sector em que a nossa empresa opera estão em mudança constante. É um exercício de fora para dentro. Dando como garantido o princípio da ubiquitous connectivity, a oportunidade a explorar é a seguinte: de que forma é que as nossas empresas podem chegar ao cliente pelas vias digitais (telemóvel, tablets, PCs), criando um canal directo de relacionamento com o cliente, e potencialmente utilizando esse canal digital para o cliente fazer directamente a compra, o pagamento ou a devolução? Indo mais longe, podemos concretizar a entrega do nosso serviço pelo canal digital, como acontece com as empresas de video-streaming ou com o e-banking? Podemos acrescentar valor, dando a possibilidade ao cliente de personalizar o artigo que quer comprar? Portanto, com transformação digital falamos de inovação 360⁰, não apenas da inovação de produtos e serviços, mas também da transformação de modelos de negócio, de cadeias de abastecimento, e de reinventar os nossos produtos e serviços com base nos insights gerados pelos clientes que, como sabemos, ficam facilmente acessíveis quando eles usam os canais digitais. É nesta área de inovação 360⁰ que eu considero que a palavra transformação está muito bem aplicada.
É elementar reconhecer que o que cliente valorizava há dez anos é muito diferente do que o cliente valoriza hoje, muito por força dos avanços no universo a que chamamos digital. Isto aplica-se a B2C mas também a B2B. A meu ver, é essencial dar como garantido o princípio da ubiquitous connectivity, isto é, os clientes estão basicamente sempre ligados a redes móveis e com fácil acesso a um telemóvel ou tablet. Os critérios da conveniência na experiência da compra e do curto tempo de entrega são hoje muito valorizados. Basta olhar para o caso Amazon. Portanto, dando por certo que os clientes estão sempre ligados a redes móveis, a pergunta é: como posso reinventar o meu modelo de negócio para captar essa oportunidade e continuar a ser relevante para o cliente?
Para concluir, o leitor poderá estar a perguntar: tendo recursos limitados, dedico-me a automatizar ou a transformar? Há circunstâncias específicas que poderão levar a resposta exclusivamente para um ou para o outro. Mas no geral, a resposta é: deve fazer as duas e andar rapidamente.
Automatizar é condição necessária de sobrevivência pela via do bottom-line. Isto é, se não automatizar o que é passível de ser automatizado, mais tarde ou mais cedo terá concorrentes no seu sector com estruturas de custo mais optimizadas, isto é, com maior rentabilidade. A sua empresa ficará em desvantagem competitiva. É um processo que poderá ser mais ou menos rápido, dependendo da velocidade com que as empresas do seu sector estão a implementar tecnologias para optimizar e automatizar processos. Um exemplo dessas tecnologias é a Robotic Process Automation (RPA).
Transformar é verdadeiramente onde se prepara o futuro de forma mais impactante. Penso que é aqui que se joga o futuro de muitos sectores ditos tradicionais, que têm sido transformados, ou estão em vias de o ser, por empresas nascidas digitais. O ponto-chave é permanecer relevante para o cliente através de inovação 360⁰, com um enfoque forte no cliente que está always connected. Por inovação 360⁰, entenda-se a inovação em produtos e serviços, mas também a inovação nos modelos de negócio e canais de entrega dos bens e serviços, a inovação na experiência da compra que acontece cada vez mais num telemóvel ou num tablet. Devemos aceitar que o cliente está sempre ligado a uma rede móvel, tem um telemóvel na mão e é cada vez mais digital-savy. As expectativas mudaram: o cliente quer conveniência, personalização e rapidez na entrega. Se não gostar do produto, quer devolver com um click e vêm buscar a casa.
Pedro Hugo Rocha | Global Procurement Director Center of Excellence and Contract Manufacturing | Campari Group