Durante um ano e meio vivemos um período sem precedentes. Assistimos ao que nunca pensaríamos ser possível em países avançados e considerados ricos, com um número de mortes diárias impressionante, aliadas ao desespero dos profissionais de saúde, que sabiam estar perante uma disrupção dos sistemas de saúde que só tinha comparação histórica em tempos de guerra ou catástrofe. Do ponto de vista económico, assistimos a uma recessão abrupta, que impactou milhões de pessoas, custando o seu emprego ou o seu salário durante longos meses. Os que continuaram a trabalhar fizeram-no a partir de casa, maioritariamente sem experiência neste modelo, obrigando a uma adaptação muito rápida e durante a fase inicial na companhia das crianças, também estas sem qualquer referência de ensino à distância. A nível social fomos altamente limitados na nossa liberdade, não podendo estar na rua, beber um café, visitar familiares, jantar fora ou mesmo sair do nosso concelho.
Todos esperamos que tudo isto tenha ficado para trás e que agora seja o tempo da recuperação económica, social e profissional, tirando partido do rápido desenvolvimento das vacinas e sua aplicação e de todos os mecanismos que entraram na nossa rotina para nos proteger de um vírus que ainda estamos a conhecer.
Com este sentimento de segurança mais ou menos generalizado, aquele que foi o comportamento de compra deste último período, em que passámos do “Eu quero” para o “Eu preciso”, começa agora a regressar ao seu ponto original. Contudo, este período de alguma frugalidade é agora seguido de uma enorme necessidade de satisfazer um conjunto de desejos que estiveram congelados durantes meses, e a fazê-lo presencialmente, algo que não foi possível nesse período. Um fenómeno que é já apelidado de revenge shopping.
Este fenómeno é uma enorme oportunidade para os retalhistas, pois os consumidores têm uma clara aptidão para gastar dinheiro, numa tentativa de recuperar o tempo perdido. É contudo também um desafio, já que depois de um período que obrigou a uma mudança drástica da gestão de recursos humanos, com necessidade de formação e adaptação do presencial para o remoto, segue-se agora um período de forte procura física das lojas.
Esta movimentação é ainda mais complexa, porque é crescentemente híbrida. As compras começam no tablet ou telemóvel, para serem depois concretizadas no canal presencial, muitas vezes com necessidade de suporte telefónico, o que leva que os sistemas e processos estejam alinhados numa lógica omnicanal, que dê contexto atualizado em todos os pontos de contacto. Esta é uma grande oportunidade para os centros comerciais, que foram dos setores que mais sofreram com a pandemia e que têm no revenge shopping uma possibilidade de recuperação rápida, mas que não é isenta de desafios. A par da necessidade de cumprir rigorosos protocolos de segurança, que transmitam confiança aos consumidores, há ainda o desafio logístico, em que inventários que passaram de lojas para grandes armazéns centrais, fazem agora o caminho inverso, mas sem uma tendência totalmente definida, o que leva a que as empresas procurem estar munidas das melhores soluções tecnológicas e preditivas já que, segundo um estudo da GfK, tal pode levar a uma aumento 20% nas vendas e a mais 30% de eficiência operacional.
São enormes desafios que estão a mudar o tipo de perfil que as empresas procuram para dar resposta a um comportamento cada vez mais exigente por parte dos consumidores, em que a conveniência e experiência de cliente cada vez mais se irão sobrepor ao produto em si.
Pedro Empis | Diretor de outsourcing | Randstad Portugal