Além da tragédia humanitária que já está a ser o ataque e invasão da Rússia à Ucrânia, há todo um impacto que se fará sentir na economia e nas cadeias de abastecimento. Os preços do petróleo e do gás têm sido os mais falados, mas há muito mais consequências que não apenas os aumentos dos custos energéticos.
Do trigo à cevada e ao milho ou do cobre ao níquel, as disrupções de abastecimento na sequência desta guerra desencadeada pela Rússia poderão ser diversas. A Ucrânia é actualmente considerada o “celeiro da Europa” pelo que a invasão pode traduzir-se numa cadeia de abastecimento de produtos agro-alimentares fortemente atingida.
Por outro lado, tanto a Rússia como a Ucrânia também são grandes fornecedores, não só europeus como mundiais de metais, minérios e outras commodities. A Ucrânia tem as maiores reservas de urânio da Europa. Possui uma das maiores fontes de titânio, manganês e minério de ferro.
E quando olhamos para o solo arável é ali que se encontram dos solos mais férteis. A Ucrânia produz trigo, cevada e centeio, com os quais a Europa se abastece. É também um grande produtor de milho e um grande exportador de girassol, óleo de girassol, batata e arroz.
Mas, na verdade, não é apenas a União Europeia que será atingida. Muitas nações do Médio Oriente e de África também dependem, por exemplo, do trigo e do milho ucranianos e interrupções nesse fornecimento podem afetar a segurança alimentar naquelas regiões. E, inclusivamente, também a China é um dos principais mercados de destino do milho ucraniano, já que a Ucrânia substituiu em 2021 os Estados Unidos como principal fornecedor de milho ao gigante chinês.
Portos encerrados
A decisão de encerrar os portos foi tomada depois das forças militares russas invadirem o território ucraniano por terra e mar.
A informação foi avançada ontem por um assessor do chefe de gabinete do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. E com esta decisão crescem as preocupações sobre o fluxo de abastecimentos do país que é, como já vimos, um dos maiores exportadores mundiais de cereais e de oleaginosas.
Em conjunto, Rússia e Ucrânia respondem por 29% das exportações globais de trigo, 19% do fornecimento mundial de milho e 80% das exportações mundiais de óleo de girassol.
De salientar que a Rússia havia suspendido anteriormente o movimento de navios comerciais no mar de Azov até novo aviso, mas manteve os portos russos no Mar Negro abertos para navegação, de acordo com autoridades e cinco fontes do setor graneleiro, ouvidos pela Reuters.
“O mercado ainda está a tentar obter uma imagem clara sobre a situação militar real no terreno. Os portos de Azov e do Mar Negro até agora parecem não ter sido danificados, de acordo com relatos iniciais da agência de navegação”, disse um comerciante europeu de cereais ouvido pela mesma agência.
O mar de Azov abriga portos de águas rasas de menor capacidade. Os portos marítimos de Azov exportam principalmente trigo, cevada e milho para importadores do Mediterrâneo como Turquia, Itália, Chipre, Egito e Líbano. “Estes países seriam obrigados a procurar fornecedores alternativos se os navios ficarem presos e não puderem partir num futuro próximo”, disse outro.
A informação, avançada pela Reuters citando um assessor do chefe de gabinete do presidente ucraniano, surgiu quase em simultâneo à comunicação do grupo A.P. Moller – Maersk em que afirmava que deixou de escalar os portos ucranianos.
No comunicado, a companhia dinamarquesa adiantava ainda que, até nova ordem, irá “deixar de receber encomendas de e para a Ucrânia”. “Os serviços da Rússia mantêm-se, por agora, disponíveis”, afirma, alertando, contudo, que “estão potencialmente sujeitos a alterações”, consoante a evolução dos acontecimentos. Não explica, contudo, se está a referir-se somente aos portos russos situados no Mar Negro.
Está planeado, esclarece a Maersk, que a carga actualmente em rota, que tinha os portos ucranianos como destino, “deverá ser planeada para descarga em Port Saíde (Egipto) e Korfez (Mar de Mármara, Turquia)”.
A Maersk contextualiza a decisão de deixar de abastecer os portos do Mar Negro (que banha territórios da Ucrânia, Rússia, Geórgia, Turquia, Bulgária e Roménia) com a “segurança e bem-estar” dos seus empregados “à luz das últimas movimentações (o comunicado nunca fala em invasão) da Rússia na Ucrânia, que viu o conflito irromper” de um dia para o outro – todo o pessoal da companhia dinamarquesa na região está, desde esta quinta-feira, a trabalhar a partir de casa “longe de quaisquer áreas de conflito”, mantendo-se seguros.
A pressão no mercado global de cereais já está a sentir-se, nomeadamente no caso do milho e do trigo, de que os dois países são, como vimos, fornecedores mundiais e outras se seguirão. Em 2020 e nos primeiros 10 meses de 2021 a Ucrânia era o quarto mercado mais importante em termos de importações agro-alimentares para a União Europeia.
Abastecimento de gás natural está garantido
Olhando agora para Portugal e para a questão energética, o ministério do Ambiente e da Ação Climática garante que, em 2021, somente 10% das importações de gás natural vieram da Rússia, pelo que “não se antevê que uma potencial interrupção do fornecimento por parte da Rússia represente uma disrupção no fornecimento de gás natural a Portugal”.
Aquele ministério refere em nota de imprensa que a Rússia representa cerca de 40% das importações de gás natural da Europa, mas diz que “Portugal vive hoje num cenário de uma maior diversificação de origens do GN que importa e, sendo o mercado de GN global, existem diversos fornecedores que poderão representar uma alternativa segura e viável ao GN vindo da Rússia”.
Segundo a mesma nota, Portugal dispõe de “elevados níveis de armazenamento de GN (79,2% da capacidade total), que atualmente é dos valores mais elevados da Europa em termos percentuais”, dizendo ainda que “não se verificaram quaisquer falhas nas entregas de GNL no terminal de Sines e a calendarização de fevereiro e março decorre como programado pelos agentes de mercado”.
No que diz respeito ao petróleo bruto (crude) e seus derivados, de acordo com a mesma fonte “não se antevêem problemas de abastecimento, dado que Portugal não importa crude da Rússia desde o ano 2020. Os produtos intermédios que se importaram da Rússia, e que representam uma pequena fração do total, têm fornecedores alternativos no mercado internacional”.
O ministério do Ambiente salienta ainda que “Portugal dispõe de reservas estratégicas de crude e de combustíveis (gasolina, gasóleo e GPL), os quais, no caso dos combustíveis, são suficientes para garantir o consumo nacional durante 90 dias”.
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