Após os últimos três anos de perturbações na cadeia de abastecimento, a indústria tornou-se mais resistente aos atrasos e problemas na supply chain. Atualmente, os fabricantes estão numa posição mais forte que anteriormente, pelo menos mais experiente, sendo mais ágeis a repensar rotas e a reorganizar as cadeias de abastecimento, para fazer chegar os seus produtos ao destino final. 

O Mar Vermelho, que conduz ao Canal do Suez, é responsável por 12% do tráfego marítimo mundial. Desde que os militantes Houthi do Iémen, apoiados pelo Irão, começaram a atacar os cargueiros que atravessam o Mar Vermelho, devido ao conflito em curso em Gaza, alguns fabricantes estão a seguir por rotas alternativas.

Em vez de navegarem da Ásia para o Médio Oriente e depois para a Europa, estão a fazer o caminho mais longo em torno da costa sudoeste de África. No entanto, isto significa mais consumo de combustível e aumenta o tempo de transporte em duas semanas, sendo de referir que o sector dos transportes é responsável por 20% do total das emissões de carbono a nível mundial e esta nova rota só vem agravar essa situação.

O fabricante de automóveis Tesla, por exemplo, suspendeu a produção numa das suas fábricas perto de Berlim durante duas semanas, devido a um atraso na entrega de certos componentes.

“Este é um novo golpe para os objetivos de produção da Tesla e surge no meio de uma concorrência feroz dos fabricantes chineses”, afirmou Susannah Streeter, da Hargreaves Lansdown. “O gigante automóvel chinês Geely, que detém a Volvo e a Lotus, também assinalou que haveria um atraso nas entregas de modelos de veículos elétricos na Europa.”

Entretanto, o Ikea está determinado em continuar com os seus cortes planeados de preços, independentemente do aumento dos custos de transporte. “Este não é um ano para otimizarmos os lucros. É um ano para tentarmos navegar com um lucro menor, mas para nos certificarmos de que apoiamos as pessoas”, afirmou Jesper Brodin, líder da empresa-mãe do Ikea, o Ingka Group.

Fast fashion abranda

Em 2023, a indústria do vestuário do Bangladeche trouxe para casa 47 mil milhões de dólares, dos 55 mil milhões de dólares de receitas de exportação anuais. Mas, devido ao conflito no Mar Vermelho, as companhias de navegação aumentaram até 50% os custos de transporte de contentores do Bangladesh para a Europa e América.

Alguns fabricantes de vestuário foram convidados pelos seus compradores a enviar os artigos por via aérea. “O frete aéreo custa 10 a 12 vezes mais do que o envio normal. Se fizermos um envio aéreo, significa que estamos no vermelho para essa encomenda”, afirmou Rakibul Alam Chowdhury, Vice-Presidente da Associação de Fabricantes e Exportadores de Vestuário do Bangladesh (BGMEA). “Mas não temos outra opção, porque se não conseguirmos entregar a tempo, não receberemos futuras encomendas desse comprador”.

Já o setor químico alemão, o maior da Europa, está a começar a sentir os efeitos dos atrasos nos envios através do Mar Vermelho, tornando-se a mais recente indústria a alertar para as interrupções no fornecimento que obrigaram algumas empresas a reduzir a produção, segundo avançou a Reuters.

As importações asiáticas, cruciais para a Europa, desde peças de automóveis e equipamento de engenharia a produtos químicos e brinquedos, estão a demorar mais tempo a chegar, uma vez que os navios de contentores foram desviados para África e para longe do Mar Vermelho e do Canal do Suez.

Embora a indústria alemã se tenha habituado a interrupções no abastecimento na sequência da pandemia e da guerra na Ucrânia, o impacto da redução do tráfego através daquela artéria comercial marítima está a começar a fazer-se sentir, como evidencia a fábrica berlinesa da Tesla. a vítima mais proeminente até agora, mas não a única.

Dependência asiática

O sector químico alemão, é a terceira maior indústria do país depois dos automóveis e da engenharia, com vendas anuais de cerca de 260 mil milhões de euros (282 mil milhões de dólares), depende da Ásia para cerca de um terço das suas importações de fora da Europa. “O meu departamento de procurement está atualmente a trabalhar três vezes mais para conseguir alguma coisa”, disse à Reuters Martina Nighswonger, diretora executiva e proprietária da Gechem GmbH & Co KG, que mistura e engarrafa produtos químicos para grandes clientes industriais.

Na sequência destes atrasos, a Gechem, que tem um volume de negócios anual na ordem dos dois dígitos de milhões de euros, reduziu a produção de pastilhas para máquinas de lavar louça e sanitas porque não consegue obter citrato trissódico suficiente, bem como ácido sulfâmico e ácido cítrico. “Se recebermos três cargas de camiões em vez de seis, cada cliente recebe apenas parte da quantidade encomendada, mas pelo menos todos recebem alguma coisa”, afirmou ainda.

Algumas empresas, para tentar atenuar o impacto, estão a encomendar mais cedo e a mudar para o frete aéreo, que no caso do setor químico não é grande paliativo já que alguns produtos químicos não podem ser transportados por via aérea.

A JP Morgan também já veio dizer que, embora as perturbações no transporte marítimo no Mar Vermelho e no Canal do Panamá estivessem a fazer subir os preços dos produtos químicos, poderiam também acelerar os esforços de reabastecimento das empresas e, por conseguinte, conduzir a uma maior procura.

Esta situação, “se for sustentada, poderá aliviar a pressão das exportações chinesas de produtos químicos e, potencialmente, resultar num certo reforço dos preços/margem e, consequentemente, na reposição de stocks”, sublinhou a corretora.