Os ataques dos rebeldes Houthis no Mar Vermelho já duram há alguns meses, e a logística tem sofrido grandes impactos na movimentação de mercadorias. A alternativa de substituir o Canal do Suez pelo Cabo da Boa Esperança acrescenta 20 dias de trânsito à mercadoria, o que se torna uma alternativa bastante penosa.

Segundo apurou o Diário de Notícias, os transitários portugueses admitem existir um aumento no custo dos fretes marítimos, apesar de se manterem muito aquém dos valores pandémicos (que chegaram aos 20.000 dólares por contentor), e ao mesmo tempo, o setor automóvel apela a que seja feita uma “reindustrialização” nacional e europeia.

António Nabo Martins, presidente-executivo da APAT, alerta para que haja sempre um plano B. Devido a estas tensões no Mar Vermelho, a ligação entre a Ásia e a Europa, que costumava demorar uma média de 30 a 40 dias, agora está a demorar 60, e os preços escalaram. “Há uma série de taxas que começam a ser aplicadas, o que faz disparar os fretes, que, há pouco tempo, estavam abaixo dos 1.000 dólares por contentor e agora já estão, em alguns casos, acima dos 5.000 dólares”.

A adoção da alternativa pelo Cabo da Boa Esperança não implica apenas uma viagem mais morosa, mas também a falta de navios disponíveis, o que levará a uma falta de contentores e de matérias-primas.

Já existem fábricas na Europa, nomeadamente ao nível da indústria automóvel, a anunciar paragens por falta de componentes, visto que a Ásia ainda hoje é a principal origem das matérias-primas deste e de vários outros setores industriais. “Fala-se muito em nearshoring e em produzir mais perto do consumidor, mas nem em 20 anos conseguiremos trazer toda essa indústria outra vez”, afirma António Nabo Martins.

A Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA) aponta que é necessário “andar mais depressa” na política de reindustrialização, visto que “toda a Europa está dependente das matérias-primas que são produzidas na Ásia”.

José Couto, presidente da AFIA, nota que as tensões vai “condicionar a competitividade da Europa”, e mais concretamente no caso português, considera ser “crucial” que se criem políticas que ajudem o setor a “captar investimento que esteja em linha com o processo de reindustrialização”. O responsável assume que as paragens ou abrandamentos produtivos têm “um efeito contagiante” na cadeia de abastecimentos, e realça que, por praticamente todos os automóveis produzidos na Europa conterem uma componente fabricada em Portugal, “uma paragem ou abrandamento tem implicações sérias”.

Esta situação estende-se ainda a outros setores. A Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED) recorda que esta situação não implicou apenas o “triplicar de custos e duplicar de prazos de entrega”, mas que foi acompanhada por “um aumento dos seguros de transporte, que é uma componente muito elevada no custo de transporte e que, automaticamente, subiu por via do risco associado à passagem no Mar Vermelho e noutras rotas que são maiores”.

Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED, antecipa que sejam vividos “tempos difíceis” por parte das empresas e consumidores, e que embora sejam importados poucos produtos alimentares, é deste continente que vêm os componentes e artigos de eletrónica de consumo, material informático, e algum têxtil. O diretor-geral nota que, a manter-se esta situação, “mais tarde ou mais cedo vai ter consequências em toda a cadeia de valor”.

No caso do têxtil, que recebe quase todas as suas matérias-primas da Ásia, como fios de poliéster, corantes e outros químicos, mas ainda não apresenta risco de paragens das fábricas. Ao nível dos têxteis, a preocupação paira sobre os custos, numa altura em que o setor se debate com a quebra de vendas devido à subida da inflação e a retração dos consumidores. Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) comenta que “há produto, está é a chegar mais atrasado e mais caro, e não há hipótese nenhuma de se repercutir esses aumentos no preço final”.

No caso do setor agroalimentar, Jorge Henriques, presidente da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA), considera que “a situação no Mar Vermelho pode vir a afetar os preços, muito por influência do que se paga pelos combustíveis e matérias-primas, a nível mundial, com repercussões na produção de bens alimentares”, o que também “pode vir a afetar os custos” nas fábricas.

No caso da metalurgia e metalomecânica, Rafael Campos Pereira, vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), considera que a situação no Mar Vermelho “não tem sido, ainda, um problema muito grave para o setor”.

Ao nível dos portos, os mais afetados diretamente pelo conflito, João Pedro Neves, presidente da Associação Portuguesa de Portos (APP), reconhece que o aumento dos custos associados a estas viagens mais longas “tem potencial para ser transferido para o custo dos bens, o que poderá impactar negativamente na economia”.