Um estudo da BCG prevê quatro cenários possíveis para o desfecho da crise no Mar Vermelho: resolução imediata, continuidade em 2024, término no início de 2025 ou prolongamento durante o próximo ano e consequente crise regional. Os transportadores marítimos deverão aumentar capacidade de transporte, quer por maior número de navios ou maior velocidade para assegurarem entregas.

 

A crise no Mar Vermelho tem gerado impactos globais no setor do transporte marítimo de mercadorias e, consequentemente, no comércio global. De acordo com o estudo “Scenarios for Container Shipping in the Red Sea Crisis”, realizado pela Boston Consulting Group (BCG), há quatro cenários possíveis para o seu desfecho: resolução imediata, continuidade em 2024, término no início de 2025 ou prolongamento durante o próximo ano e consequente crise regional.

O transporte marítimo no Mar Vermelho é responsável por 12% do comércio mundial e 40% do comércio entre a Ásia e a Europa. Com a intensificação dos ataques dos Houthi, desde outubro de 2023, os transportadores já desviaram 80 a 90% dos seus navios da rota Extremo Oriente-Europa para sul, através do Cabo da Boa Esperança, aumentando em 30% o tempo de navegação para o Norte da Europa e com aumentos mais significativos para o Mediterrâneo Oriental, face ao período pré-crise.

“A crise no Mar Vermelho tem tido impacto substancial no comércio mundial, aumentando os prazos de entrega das mercadorias, bem como os custos de transporte, afetando negativamente as empresas e economias mais expostas”, afirma Carlos Elavai, Managing Director e Partner da BCG em Lisboa. “Neste contexto, é imperativo que os agentes portugueses mais expostos estejam atentos aos desenvolvimentos e apostem no aumento da resiliência das suas cadeias de abastecimento, identificando rotas alternativas e aumentando níveis de stock para assegurar o abastecimento”.

A BCG criou um modelo para prever desfechos e impactos da crise, gerando quatro cenários distintos, baseando-se em variáveis-chave como a reorientação dos navios e alteração de rotas comerciais; a procura pelos serviços de transporte marítimo de mercadorias;o incremento de velocidade da frota e o aumento da capacidade de carga dos navios:

  • Resolução imediata. Apesar de os ataques continuarem com grande intensidade, a crise poderá terminar já no final deste mês. Neste cenário, prevê-se que as forças militares desativarão as infraestruturas de ataque dos Houthi e a atividade marítima normal será retomada no segundo trimestre de 2024. A reorientação dos navios e das rotas comerciais continuará ao longo do mês e a procura dos serviços de transporte de mercadorias a curto prazo manter-se-á reduzida, mas os transportadores marítimos deverão manter a velocidade da frota e a capacidade de transporte corresponderá aos níveis anteriores à crise.

 

  • Prolongamento em 2024. Os ataques dos Houthis poderão continuar até ao final do ano, parando após um frágil acordo de cessar-fogo. Neste cenário, os transportadores redirecionarão 90% da sua frota e, no segundo semestre, deverão aumentar a velocidade dos navios em 6%, reforçando também a capacidade de carga. Na mesma altura, os níveis de procura deverão ser retomados à medida que há uma adaptação à ameaça persistente, e as taxas de frete marítimo poderão triplicar ou até quintuplicar em relação aos níveis anteriores à crise. Os transportadores marítimos só deverão conseguir compensar metade do impacto do desvio de rota através do Cabo da Boa Esperança. Para evitar conflitos, os transitários poderão diversificar as rotas, apostando noutros corredores comerciais.

 

  • Término no início de 2025. Os ataques poderão ser intermitentes, permanecendo além do final de 2024. Neste cenário, a crise só deverá terminar no início de 2025, à medida que os Houthis vão perdendo capacidades. Em linha com este quadro, os transportadores deverão redirecionar 85% dos navios, aumentar a velocidade da frota em 7% e apostar no incremento da capacidade de transporte de carga. Os clientes deverão retomar a procura na segunda metade do ano, o que poderá conduzir ao aumento das taxas de fretes marítimos. Para compensar a mudança de itinerário dos navios, os transportadores terão de aumentar a sua capacidade de carga em 25 a 30%, devendo, por isso, registar perdas comerciais.

 

  • Crise regional da Península Arábica. A consultora admite, por fim, a possibilidade de os ataques continuarem a ser intensos e de a guerra culminar no envolvimento da Península Arábica, com um vasto impacto económico que se prolongará até 2025. Neste cenário, o estreito de Bab el-Mandeb poderá ser encerrado e os transportadores deverão redirecionar toda a frota, aumentando a velocidade dos navios em 7% e a procura pelo transporte marítimo do Extremo Oriente para a Europa poderá registar uma quebra de 3% face aos níveis atuais. Desta forma, a Península Arábica poderá perder a sua posição estratégica como centro de reexportação.

 

Transporte marítimo deve preparar-se para futuros choques globais

A crise no Mar Vermelho marca uma mudança no setor do transporte marítimo de mercadorias, afastando-se da normalização pós-Covid observada no terceiro trimestre do ano passado. A BCG alerta para a necessidade desta indústria reforçar a preparação para futuras perturbações e deixa recomendações às transportadoras. Em primeiro lugar, devem adaptar-se ao contexto geopolítico, uma vez que o aumento generalizado das tensões tem sido uma realidade com consequências diretas no setor e o acesso ininterrupto aos principais corredores do comércio de contentores não é um dado adquirido. Em segundo, precisam de aprender com a crise atual e preparar-se para novas perturbações globais e consequentes restrições governamentais à navegação, investindo no aumento da resiliência. Desta forma, conseguirão garantir o aumento da sua capacidade de resposta e flexibilidade, assegurando rotas comerciais alternativas, e preservando ou aumentando as receitas. Por último, e porque a atual turbulência e crise do Mar Vermelho tem suscitado uma necessidade de resposta rápida e de preparação acrescida, o setor deve aproveitar a oportunidade para repensar estratégias, modernizar equipamentos e reforçar os recursos humanos para um mundo onde a estabilidade é, cada vez mais, a exceção e não a regra.