“Rethinking Procurement” foi o mote que juntou vários profissionais de compras para assistir ao evento da Associação Portuguesa de Compras e Aprovisionamento (APCADEC), que decorreu no dia 18 de abril, no Auditório Alto dos Moinhos, no Metro de Lisboa. Um dia que permitiu refletir sobre os vários desafios têm vindo a impactar a área das compras, as soluções que podem ajudar a ultrapassá-los e o potencial da Inteligência Artificial.
A abertura do evento foi feita pela anfitriã, Sónia Páscoa, vogal do conselho de administração do Metropolitano de Lisboa. Começou por referir que “a nossa equipa todos os dias se desafia para ultrapassar os desafios do Metropolitano, e de todos os desafios, a contratação pública é um deles”. A responsável abordou os atuais e futuros projetos delineados para o Metropolitano de Lisboa, que consistem na modernização e ampliação da rede, que contempla a aquisição de novo material circulante, e a expansão de algumas linhas, que tem sido um “verdadeiro desafio para a contratação pública”, visto que têm encontrado elementos da História de Portugal durante as obras e escavações, originando atrasos nos contratos. Sónia Páscoa apresentou ainda a criação de uma nova linha violeta para um metro ligeiro, bem como a necessária renovação e intervenção na acessibilidade, nomeadamente em elevadores e escadas rolantes, e ainda a nota de que os EUA estão a construir uma esmeriladora para melhorar as condições da linha. A responsável apresentou todos os investimentos alocados a todas as intervenções estimadas.
Seguiram-se três casos de estudo. O primeiro foi apresentado por José Morgadouro, principal presales consultant da Moody’s, cujo tema abordava o futuro da cadeia de valor entre mudanças geopolíticas e regulatórias. De acordo com dados recolhidos pela Moody’s, desde 2018 que os eventos de risco aumentaram exponencialmente, e temos analisado isso a nível global. “As turbulências vão ter impacto no comércio internacional”, sublinhando a importância de recolher informação e conhecer ao detalhe os mercados onde as empresas pretendem entrar. O principal presales consultant apresentou um caso de êxito entre a Moody’s e uma companhia aérea portuguesa, que tinha como desafios ter dados sobre os seus fornecedores, identificar riscos financeiros, garantir a mitigação de riscos reputacionais, melhorar a avaliação ESG de fornecedores, e criar planos de ação para diminuir riscos e criar oportunidades. Dadas as especificidades da atuação da Moody’s, a solução que encontraram foi a de supply chain catalyst, que permite agregar indicadores de risco, criar questionários ESG e avaliação de risco customizada.
O segundo caso de estudo, “The Navigator Company – o presente e o futuro do procurement”, contou com José Realinho, senior solution sales intelligent spend & business network da SAP, e José António Rodrigues, procurement manager da Navigator, que falaram sobre a implementação de um solver, de um parceiro da SAP, que potenciou a otimização das alocações em categorias mais complexas na The Navigator Company. “O maior ganho foi, sem dúvida, o de eficiência”, refere José António Rodrigues, acrescentando que “nós queríamos reservar o valor acrescentado que os gestores de categoria têm no dia a dia para preparação da negociação, o contacto com os stakeholders”. De um modo geral, algumas tarefas, como o envio de RFP’s e a gestão de informação relativamente a fornecedores, centralizou-se numa só plataforma. Além desta necessidade, havia uma outra que era preciso colmatar: o acesso e rastreabilidade de informação. “Nós temos cerca de 500 contratos celebrados anualmente, dentro do âmbito do procurement, e sempre que era preciso aceder a um contrato, este encontrava-se no computador de alguém. Mais tarde ou mais cedo era encontrado, mas não havia uma forma rápida e célere de, por vezes, encontrar a informação que era preciso”, explica. Até mesmo no que diz respeito a dúvidas relacionadas com propostas (quando foi enviada, quem enviou e como a enviou), há um repositório único de contratos de informação dos RFP dentro da plataforma que fica acessível a toda a equipa.
Marco de Sá Palma, head of broking da WTW, encerrou os casos de estudo da parte da manhã, com o tema “o poder de data & analytics nas negociações dos programas de seguros”, durante o qual apresentou as várias soluções da WTW para ajudar as empresas a identificar e a quantificar os riscos para depois obter uma solução. Enfatizou a importância de soluções de data analytics, que permite uma transição da abordagem tradicional para uma que analisa dados, estatísticas e informações estruturadas, permitindo às empresas prever o que pode acontecer no futuro.
Numa abordagem mais informal, Sami Vesamo, expert em IA, digital business, marketing e sales, trouxe à audiência a importância da Inteligência Artificial, e como esta pode potenciar os negócios. Durante a sua intervenção, identificou as especificidades do ChatGPT, e como pode ser utilizado para ideias, análise de dados, planeamento, solucionar problemas, tomada de decisão e produção de conteúdo. De um modo geral, evidenciou que algumas das suas funcionalidades podem ser uma mais-valia para determinadas tarefas nos vários setores de atuação.
Da parte da tarde foram apresentados mais três casos de estudo. O primeiro esteve a cargo de Nuno Ferraz, diretor de procurement & compras da Brisa, que abordou a colaboração com o Mercado Eletrônico no processo de transformação do procurement no Grupo Brisa. O desafio que tiveram com base no novo plano estratégico, foi a centralização do procurement, uma vez que não havia uma área centralizada e as funções de sourcing estratégico eram desenvolvidas por cada uma das unidades de negócio, e o backoffice de compras também era descentralizado. Este é um processo que ainda está a decorrer no qual ainda estão a ser desenvolvidas políticas de compras e processos relacionados com fornecedores. Criaram uma equipa, desde a área administrativa até funções de sourcing estratégico, e o Mercado Eletrônico tem sido um parceiro para a transformação digital, na parte de sistemas, com a implementação e desenvolvimento de soluções como e-procurement, e-catalog, supplier, e pedidos.
De seguida, Juan Carlos de Oliveira, principal presales consultant, da Jaggaer, trouxe o tema “transformar o futuro das aquisições com IA”, tendo apresentado os benefícios da IA e IA Generativa na área das compras: insights de mercados, automatização de atividades, time to value, adaptação às mudanças, automatização de processos, análise de dados e modelos preditivos. Apontou ainda formas de as empresas atingirem objetivos através de IA, nomeadamente no processo de contratação, no processo operativo das compras, na melhoria de processos de adoção e verificação e na análise de modelos de dados.
Por sua vez, Renato Estevão, partner da Procurement Garage Europe, abordou o tema “equilíbrio financeiro da cadeia de abastecimento”. “Esta jornada [procurement finance] não é uma corrida de 100 metros. É uma maratona”, começou por dizer. Isto porque leva algum tempo, dependendo do grau de maturidade da empresa, para passar de nível em nível. “Mas se conseguirmos vencer esses obstáculos, teremos, no final dessa maratona, outro padrão de Procurement, e vamos trazer outro nível de resultado para as empresas”, acrescenta. A Procurement Garage tem cinco áreas de negócio: consultoria, supply chain (“porque entendemos que o procurement não está só focado em identificar e negociar com o fornecedor o melhor preço, mas sim olhar para toda a cadeia”), tecnologia, a área de formação, e a área de finanças, e foi nesta última área que Renato Estevão focou a sua intervenção. Face às disrupções vividas nos últimos tempos, o mercado europeu passou a ter de gerir estes riscos, traduzindo-se numa realidade de “temos de fazer mais com menos”, ou seja “temos mais desafios do que antes, e temos de entregar resultados ainda melhores”. Assim, a Procurement Garage analisou alguns indicadores para a gestão de fundo maneio, que são os prazos médios que a equipa de vendas apresenta aos clientes, que se tornou estável graças à mudança do canal de distribuição, mais no negócio B2C. Assim, a equipa de procurement aumentou o prazo médio de pagamento para 1.1 dias. Os dias de stock subiram quatro dias, e isso impactou o ciclo de conversão de caixa (o tempo em que o dinheiro é colocado na empresa pelo acionista e voltou à caixa depois de passar por stock, vendas, depois de receber esse dinheiro novamente e pagar aos fornecedores) em 2.7 dias. É aqui que o procurement pode ajudar a gerir e a reduzir o ciclo de conversão de caixa, como aponta Renato Estevão.
“IA: ameaça ou oportunidade?” foi o tema que juntou Pedro Amorim, corporate clients director da ManpowerGroup Portugal, Tiago Azevedo, diretor de informação (CIO) da Outsystems, e Nuno Melo Loureiro, diretor, data & IA da PwC Portugal, numa mesa redonda. Sobre a pergunta introdutória, Nuno Melo Loureiro, indica que “começo a vê-la [IA] mais como uma obrigatoriedade”. Especificamente na área de procurement, considera uma oportunidade, assim como a IA Generativa para encomendas e pagamentos. No entanto, também há riscos, mas mitigáveis “em grande parte dos casos”, como é o caso da privacidade dos dados. Por sua vez, Tiago Azevedo, acredita que é “uma enorme oportunidade”, uma vez que trará mais eficiência às organizações. “Há que proceder com a devida cautela, mas não consigo ver mais do que apenas benefícios”, afirma. Já Pedro Amorim, refere que, quando se fala em pessoas, a perspetiva é “um bocadinho diferente”, mas que a IA pode efetivamente colmatar a falta de mão de obra, um problema transversal a alguns setores. Como não podia deixar de ser, abordou-se ainda a questão da substituição do trabalhador pela tecnologia. Pedro Amorim afirma que está a haver uma transição, mas encara-a com tranquilidade. “Somos uma empresa de talento, mas temos cada vez mais colegas a falar de IT do que de talento”. Já Tiago Azevedo salienta que as pessoas terão sempre de avaliar aquilo que é produzido pela IA Generativa. Nuno Melo Loureiro corrobora esta ideia, referindo que está em curso uma mudança de paradigma de alguém que cria para alguém que avalia o que é criado pela tecnologia.
É caso para dizer que o evento fechou com chave de ouro. Pedro e Miguel Ferreira Pinto, os Iron Brothers, encerraram a sessão com um momento emotivo, através do mote “há barreiras, mas não há limites”. Contaram a sua história de superação, tendo em conta a condição médica de Pedro, que tem paralisia cerebral. Os irmãos, que têm vindo a participar em provas de nacionais e internacionais de triatlo, demonstraram o poder de trabalhar em equipa e de dedicação para conseguir alcançar os objetivos, estabelecendo uma ligação de mindset para as equipas, em que “separados a percorrer o mesmo caminho, não chegamos tão longe”, e “não há tempos nem provas fáceis. Há sim pessoas preparadas e resilientes”.