O Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Administrações Portuárias (SNTAP) anunciou um pré-aviso de greve, com a duração de 10 dias (de 4 de junho até 28 de junho) que irá abranger os portos de Portugal, bem como os portos da Madeira e dos Açores.
A paralisação é motivada pela ausência de resposta à proposta de valorização remuneratória para este ano, que foi apresentada pelo sindicato há mais de meio ano. Ao ECO, o presidente do SNTAP, Serafim Gomes, afirma que estão a reivindicar um aumento salarial próximo daquele que foi aplicado ao salário mínimo nacional em 2024 (7,9%), embora admita que é “um valor negociável”. Comenta ainda que “só se chega a uma situação de greve quando não resta outra possibilidade e quando o setor se sente encurralado”.
O líder do sindicato alerta para a gravidade do impacto da greve em todo o país, particularmente na Madeira e Açores, com constrangimentos nos abastecimentos provenientes do continente, ainda que estejam assegurados os serviços mínimos durante os 10 dias de paralisação.
Uma eventual desconvocação da greve está dependente de respostas concretas, objetivas e atempadas por parte das administrações portuárias e da tutela, às propostas apresentadas pelo SNTAP a 23 de outubro de 2023, e que incluí a reivindicação de atualização da tabela salarial.
Os Agentes de Navegação de Portugal (AGEPOR) criticaram desde logo o timing da greve, com “um governo em início de mandato, com inúmeros problemas por resolver (…), usando a situação como forma de pressão e não tendo em consideração os prejuízos que os cancelamentos de escalas irão causar”. Alertam ainda para a possibilidade de alguns armadores porem em causa “no imediato e no futuro, a continuidade dos serviços que operam nos portos portugueses”.
O que diz a indústria
De acordo com o ECO, esta paralisação nos portos portugueses está a deixar os industriais “apreensivos”, uma vez que dependem da via marítima para o abastecimento de matérias-primas, e para a exportação de mercadorias para fora da Europa.
O vice-presidente executivo da Associação dos Industriais Metalúrgicos Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), Rafael Campos Pereira, afirma ao ECO que “haverá seguramente constrangimentos” e “em muitos casos não haverá alternativas”. Outras soluções, como utilizar os portos espanhóis “ou não são sequer exequíveis ou encareceriam substancialmente os preços, reduzindo a competitividade à oferta” das fábricas nacionais, acrescenta.
Salienta ainda que o impacto da greve dependerá da sua dimensão e do período de tempo durante o qual se prolongará, mas considera que os prejuízos podem ser “relevantes”, tendo em conta que “as empresas têm prazos a cumprir e ficarão sujeitas a penalizações se não o fizerem”.
No caso do setor do têxtil e vestuário, a greve trará “consequência” e irá “causar seguramente prejuízos quer pela importação, quer pela exportação”, afirma Jorge Pereira, vice-presidente da ATP, ao ECO. “Os contentores, ao ficarem retidos com as matérias-primas, além de terem custos acrescidos, têm [impactos] indiretos porque vai agravar os atrasos que já acontecem junto dos clientes e do têxtil”, explica.
No que diz respeito às exportações, sublinha que “se as empresas não conseguirem fazer os despachos e envios atempadamente, a mercadoria vai chegar mais tarde aos clientes”. Lembra ainda que “isto é um ciclo” e que, por isso, “os atrasos na importação acabam sempre por prejudicar a exportação”.
Por sua vez, a Associação Empresarial de Portugal (AEP) não tem dúvidas de que esta greve “vai gerar dificuldades acrescidas para as empresas e, consequentemente, para a economia portuguesa”, numa altura em que as cadeias de abastecimento têm vindo a ser impactadas por conflitos geopolíticos, nomeadamente no transporte marítimo.
Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativos a 2022, em Portugal, o transporte marítimo é o mais utilizado quando avaliado em toneladas – 47% de toneladas e 59% importadas. Desta forma, o líder da ATP alerta que “o peso considerável do modo de transporte marítimo nos fluxos do comércio internacional português evidencia o impacto negativo que 10 dias de greve poderão provocar na atividade das empresas, sobretudo pelos atrasos nas encomendas – aos quais estão mais suscetíveis empresas que trabalham com stocks mais reduzidos – mas também pelas potenciais subidas dos custos”.
Sobre a greve, Gualter Morgado, diretor executivo da Associação Portuguesa das Indústrias de Mobiliário e Afins (APIMA) indica ao ECO que “poderá ter mais impacto no atraso de importação de algumas matérias-primas” e “atrasar as produções”. Já Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da Associação Portuguesa e Industrial de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS) garante que “esta greve chega num momento de grande atividade exportadora e, por esse motivo, constitui um motivo de apreensão”. Por parte da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), José Couto, presidente, considera que a paralisação irá causar “algum impacto” para os construtores, tendo em conta que a esmagadora maioria usa o transporte por via marítima, afirmando que “neste momento ainda não há alternativas à exportação pela via marítima fora da Europa”, acrescentando que “se os construtores ficarem com os parques cheios, não conseguirão fazer chegar os produtos aos mercados externos”.
O porta-voz da Associação dos Transitários de Portugal (APAT), António Nabo Martins, destaca as principais perturbações derivadas da greve: “os navios não atracarem e não movimentarem a carga”, os “custos adicionais por não atracarem” e “muitos navios poderem escolher outros portos para descarregar e carregar”, caso a paralização se prolongue.