Em declarações à TSF, Carlos Vasconcelos, presidente da Medway, critica a atitude do Governo de Luís Montenegro pela falta de pagamento dos incentivos prometidos e legislados pelo anterior, deixando em aberto a paragem da atividade em Portugal, onde representa 80% da quota de mercado, e a ida para Espanha, onde tem apresentado um elevado crescimento.
Ainda este ano, em declarações anteriores, tanto Carlos Vasconcelos como Bruno Silva, diretor geral da Medway, tinham tecido críticas às desigualdades sentidas entre os apoios aos meios ferroviários e rodoviários, e comparando com o caso espanhol que apoia muito mais a ferrovia através de incentivos e de taxas reduzidas, como é o exemplo da taxa de utilização da ferrovia, que é oito vezes menor do que em Portugal.
O Governo de António Costa tinha estipulado o apoio ao setor ferroviário através de incentivos, nomeadamente a nível energético (eletricidade e combustível), os quais o presidente da Medway aponta que ainda não foram pagos, tendo ainda havido um aumento de 22% na taxa de uso da ferrovia.
À fonte, o responsável da empresa criticou “como é que o Governo de um país soberano assume um compromisso, publica uma lei, assume um compromisso com um grande investidor em Portugal e depois não cumpre?”, deixando o alerta de que “o grupo está a ponderar, de facto, se vale a pena continuar a operar em Portugal, quando em Espanha tem todo o apoio”.
Relativamente à falta de pagamento dos apoios prometidos, compreende ser “desagradável a um governo herdar uma situação destas”, ressalvando que “ninguém o obrigou [Governo de António Costa] a tomar [esta decisão], ninguém lhes pediu que garantissem, mas eles não só tomaram a decisão, legislaram nesse sentido, o próprio primeiro-ministro do país garante uma coisa que vai pagar imediatamente e depois não cumprem. É evidente que isto gera um desconforto enorme e leva um investidor estrangeiro a dizer: ‘Em que raio de país é que eu estou a trabalhar e a investir, em que tenho projetos que ultrapassam os 390.000.000 de euros, o que é que eu estou aqui a fazer?’ ”.
“Nós temos uma empresa sustentável, que tem gerado postos de trabalho, que tem investido fortemente na ferrovia em Portugal, que tem projetos grandes para Portugal.”
– Carlos Vasconcelos, presidente da Medway, em entrevista à TSF.
A Medway já estabeleceu um contacto com o Governo e aguarda por uma reunião, destacando que notou recetividade por parte do Executivo para resolver a situação. “Já tivemos só um pequeno contacto com o Governo, que nos mostrou simpatia, compreensão, problema e precisava de o estudar. Obviamente espero ter uma reunião brevemente com o Governo para discutir o assunto já a outro nível e de forma mais assertiva. Quanto ao prazo, a questão das compensações para nós é absolutamente urgente e precisávamos disso. Eu diria que era para ontem, mas aqui não dá para estar à espera muito tempo. Era bom que todas estas medidas até setembro ou outubro estivessem aprovadas. Depois, o Orçamento do Estado tem de contemplar isto”, destacou Carlos Vasconcelos.
A possibilidade de paragem da atividade da Medway em Portugal foi ainda considerada “uma tragédia” por Miguel Rebelo de Sousa, diretor-executivo da Associação Portuguesa de Empresas Ferroviárias (APEF), em entrevista à TSF, pela dimensão de mercado que representa, mas destacando que compreende caso avance, por ser uma decisão que cabe ao acionista.
“Representa cerca de 80% do mercado e, portanto, se acontecesse uma coisa dessas, era negativo. Mas é verdade que a Medway opera em Portugal e opera em Espanha. É verdade que a Medway tem tido em Espanha um aumento muito grande de quota de mercado e, portanto, faz sentido. Tem um grande incentivo pela parte das autoridades espanholas para continuar a sua senda de investimento no mercado espanhol. Vai passar a ser responsável pela Renfe mercadorias (…) No final do dia, é normal que um acionista pese até que ponto é que faz sentido continuar a insistir num mercado onde, pelos vistos, não tem condições para ser competitivo, quando, ao lado, tem outro mercado, onde tem incentivos para operar, tem incentivos à transição modal, incentivos à descarbonização dos transportes. Portanto, até para comprar comboios elétricos tem incentivos em Espanha. Recebe financiamento sem custo. E nós, cá em Portugal, não só não damos qualquer tipo de apoio, como ainda por cima tornamos mais caro o transporte de mercadorias e isso é um contrassenso”, comentou o representante da APEF à TSF, na sua rubrica “A Vida do Dinheiro”.