Historicamente sempre fomos habituados a que a procura de emprego fosse superior à oferta. O poder estava assim do lado das empresas. Antes de 2020 já circulavam rumores de que era cada vez mais difícil preencher as vagas de emprego. No entanto, foi com a pandemia que se percebeu que a relação entre a procura e oferta de emprego tinha mudado de forma estrutural. São vários os fatores apontados como justificação para esta alteração.
A globalização do mercado de trabalho fez com muitos profissionais ou saíssem de Portugal ou passassem a trabalhar noutros mercados, sem terem a necessidade de sair do país. Além disso, o relevo geracional faz com que uma classe de trabalhadores menos fiéis às empresas, menos pacientes para trabalho repetitivo e mais exigentes em relação à responsabilidade social das entidades empregadoras sejam mais representativos no mercado de trabalho. Por outro lado, uma maior valorização do equilíbrio entre vida pessoal e profissional, reduziram a disponibilidade para compensar a escassez de recursos com trabalho extraordinário. Estes não serão os únicos fatores que justificam uma inversão tão rápida e estrutural no mercado laboral, mas certamente serão dos mais relevantes. Se nos aventurarmos a adivinhar a evolução futura de cada um destes fatores, antevemos uma ampliação dos seus efeitos.
A logística é uma atividade especialmente exigente em termos de disponibilidade, exposição ao stress e horários alargados. Por esse motivo, todos estes fatores, transversais a todas as empresas, têm especial impacto em quem opera na logística. O facto de este ser um sector em plena revolução tecnológica, mas, em simultâneo um sector com muita criação de emprego e o carácter técnico e especializado das principiais funções que lhe são características, fazem com que este cenário obrigue as empresas a traçar planos de ação para minimizar os seus efeitos. Além disso, há que ter em conta que todas estas alterações foram feitas num período muito curto e recheado de fatores exógenos que tornaram os últimos 4 anos como um dos períodos mais desafiantes de sempre para as cadeias de abastecimento.
Como resultado, para além de um ajuste significativo dos salários, encontramos hoje uma adaptação significativa nas empresas para atrair e manter talento. O poder passa agora a estar do lado dos trabalhadores.
No entanto, a ideia de que era necessário ajustar os salários em Portugal para que se aproximassem à média europeia era já amplamente consensual. Ter empresas que façam um esforço para viver de acordo com o seu propósito, que sejam verdadeiras e que se esforcem para tornar o trabalho em algo desafiante, agradável e atrativo para os trabalhadores e potenciais candidatos é algo que temos de pensar como altamente positivo.
Sendo assim, como otimista que sou, vejo todas estas mudanças como benéficas para o sector e para o país, embora reconheça que, à velocidade com que estão a acontecer, requeiram um esforço enorme do lado das empresas. O sector da logística saberá dar resposta a mais este desafio com muita autenticidade, imaginação, criatividade e claro, sem esquecer a tecnologia.
Vitor Figueiredo | CEO da Zolve / Logifrio e presidente da APOL