No coração sereno de Ferreira do Alentejo, rodeado por vastos olivais que se estendem até onde a vista alcança, encontra-se o Lagar do Marmelo, perfeitamente inserido na paisagem alentejana. Foi neste cenário que a Sovena reuniu um grupo de jornalistas para assistir à 1.ª Colheita 2024/2025 do Oliveira da Serra, um azeite virgem extra 100% português, que chega às prateleiras no final de novembro. Uma reportagem “do prado ao prato” literalmente.
Com o horizonte marcado pelos tons da terra, o verde profundo das oliveiras e da paisagem e o azul brilhante do céu, o Lagar do Marmelo é mais do que um espaço de produção: é o local onde as raízes e a história da terra se cruzam com a inovação. A sua localização estratégica, no epicentro de uma das áreas olivícolas mais importantes de Portugal, reflete a conexão profunda entre a natureza e a excelência na produção de azeite. Ali, os aromas do Alentejo encontram-se com a tecnologia de ponta, num equilíbrio que valoriza cada gota de azeite produzida.
Nuno Alarcão, Isabel Ribeiro e Pedro Carapinha são os nossos guias nesta incursão pelas terras onde é produzido o Oliveira da Serra. São da Sovena, uma das maiores empresas no setor de azeites a nível mundial, com forte presença em Portugal e atuação em diversos mercados internacionais, e cada um tem responsabilidades em áreas estratégicas da empresa. Nuno Alarcão é responsável de sourcing, lidando com a aquisição de matérias-primas e garantindo a qualidade e a competitividade dos produtos; Isabel Ribeiro é responsável pela sustentabilidade e inovação, promovendo práticas responsáveis e o desenvolvimento de soluções inovadoras no setor; e Nuno Carapinha atua como diretor técnico, supervisionando operações e a vertente técnica de produção e processos. A Sovena destaca-se por integrar toda a cadeia de valor do azeite, desde o olival até ao engarrafamento, e a contribuição destes profissionais é essencial.
Inovação e Tradição de Mãos Dadas
A 1.ª Colheita é um marco anual na produção de azeite, capturando a essência das primeiras azeitonas da temporada. O processo inicia-se nos extensos olivais da herdade, que cobrem 3.100 dos 7.000 hectares de olival que a Sovena detém.
Isabel acompanha-nos na visita à herdade e já no olival explica que desde 2007, quando a primeira oliveira foi plantada, a Sovena tem reinventado a produção de azeite no Alentejo. O uso de tecnologia de ponta, como a colheita mecanizada e a rega gota-a-gota, aliam-se a práticas tradicionais de cuidados com a terra. Este equilíbrio entre inovação e respeito pelo ecossistema posiciona o Oliveira da Serra como uma referência global na produção de azeite.
A produção, a Colheita e o ecossistema
Já existiam algumas oliveiras, mas nada como o que acabou por se vir a fazer. “Enquanto projeto que desde o primeiro momento queria ser grande, adotámos aqui algumas práticas que já se sabia que eram muito positivas em termos de biodiversidade. Manter a cobertura natural do solo é só um exemplo, que hoje se reconhece como muito importante, naquela altura não era assim. Não só para manter as condições naturais e ideais do solo como ao nível da facilidade de trânsito e movimentação das máquinas e também de circulação das próprias pessoas. Diria que de uma forma muito interesseira pusemos o solo a trabalhar para nós”, brinca.
Os sobreiros e azinheiras que existem por ali, além de espécies protegidas, são ótimos vizinhos para as oliveiras. “Os sobreiros, as azinheiras, são poiso. Os morcegos só conseguem visitar o olival se houver obstáculos, pois orientam-se por sonar. Os obstáculos são fundamentais para perceberem onde é que estão. Se tivermos olivais com obstáculos, os morcegos visitam-nos. Vantagens disso? Um morcego come 500 gramas de insetos por dia. Ou seja, regula-nos as pragas dentro do olival.”, detalha Isabel Ribeiro.
Todas as ervas que se vêem por ali são autóctones e do banco de sementes que já ali existia, o que significa que estão perfeitamente adaptadas ao lugar. “Só temos que não o estragar”, sublinha a responsável de sustentabilidade e inovação. Lembrando que também as “árvores mortas são deixadas nos lugares, pois há outros insetos que decompõem a madeira velha e são essenciais na produção de matéria orgânica”.
A herdade do núcleo de Ferreira do Alentejo que visitámos foi justamente uma das primeiras herdades a ser plantada. Ali, a cultura da oliveira é feita na forma de sebes, ou seja, as oliveiras são alinhadas de modo a formarem uma sebe, cujo tamanho vai sendo gerido de forma a ser colhida de modo mecanizado e antes disso também são podadas com máquinas.
Todo o olival é regado com o sistema gota-a-gota e juntamente com a água são entregues os nutrientes, para garantir que as árvores têm uma nutrição adequada em todas as suas fases de desenvolvimento. “O processo é controlado ao longo de todo o ciclo, tendo em conta as análises de solo que vão sendo realizadas periodicamente”, explica Isabel Ribeiro.
O olival foi pensado em alinhamento com a mecanização da colheita, para garantir que num curto intervalo de tempo se colhe a azeitona e rapidamente esta chega ao lagar, mas também num grande respeito pelo lugar. O projeto é grande e tem impacto na área em que se insere. “Estas ervas que vemos aqui fazem parte da nossa estratégia de conservação do solo que está presente desde o primeiro momento. Manter o solo vivo e com capacidade de se regenerar ano após ano, com atividade. Não semeámos nada disto e o que procuramos fazer é garantir que estas plantas que aqui estão conseguem todos os anos libertar sementes para que, ano após ano, o enrelvamento no olival seja uma realidade.
É um abrigo para plantas e animais, que escolhem aquela zona por ser menos movimentada. “Estas zonas funcionam como bolsas, que depois são unidas por linhas de água e relva, que permitem atravessamento”. É um sistema artificial porque é agrícola, mas que tem alguma “naturalidade” que é preservada e que contribui para o equilíbrio natural do ecossistema.
Diferentes variedades, azeites distintos
Diferentes variedades, como a Arbequina, a Arbosana, a Galega, a Cobrançosa ou a Koroneiki, são cultivadas em sebes cuidadosamente alinhadas, permitindo uma colheita mecanizada que alia eficiência à preservação das árvores e da qualidade do fruto. Cada variedade de azeitona produz um azeite diferente, algo que se calhar escapa à maioria dos consumidores.
“Aqui produz-se mais Arbequina e Arbosana, por melhor comportamento no terreno e porque o perfil do azeite e o gosto do consumidor final assim o ditam. Azeites mais suaves, geralmente, são melhor aceites. O consumidor português aprecia azeites mais suaves”, explica Nuno Alarcão.
“As azeitonas são colhidas ao amanhecer, enquanto o ar ainda está fresco, e transportadas imediatamente para o Lagar do Marmelo. Este processo, que ocorre em questão de horas, visa assegurar a qualidade superior do azeite, evitando a degradação dos frutos”, esclarece o diretor técnico, Pedro Carapinha.
Do lagar ao produto final
Depois de percorrermos o olival e assistirmos às máquinas de apanha em plena laboração, acompanhamos o percurso da azeitona e chegamos ao lagar, onde os camiões descarregam para tapetes as azeitonas.
“O lagar divide-se em duas zonas: a parte suja e a parte limpa. Na primeira encontramos os pontos de receção da azeitona. A azeitona é descarregada e encaminhada para os tapetes para o fruto ser limpo e pesado. Há logo uma seleção consoante o estado da azeitona para definir as linhas em que a mesma vai entrar, em função da variedade, qualidade e estado de maturação. Nos tapetes é limpa, evitando-se a água, pois iria contribuir para a sua degradação, e é depois pesada”, esclarece o diretor técnico, Pedro Carapinha.
Depois de separadas, segundo os critérios explicados pelo diretor técnico, as azeitonas entram numa espécie de moinho gigante e é ali que se inicia a transformação. Trituradas integralmente, as azeitonas tornam-se uma pasta homogénea e uniforme em termobatedores que mantêm a temperatura abaixo de 27ºC, garantindo a classificação de “extração a frio”. Depois de formada a pasta da azeitona, esta passa para duas outras máquinas, as centrífugas, a primeira horizontal e a segunda vertical. Nas horizontais, são separados os sólidos dos líquidos, ou seja, “por centrifugação e por diferença de densidades dos produtos que formam a azeitona, separamos os compostos sólidos dos líquidos e formamos dois tipos de produto: o chamado bagaço da azeitona e o azeite, que ainda está misturado com a água”, detalha Nuno Alarcão. O bagaço da azeitona vai para fora do lagar, onde é retirado o caroço, que é depois usado para biomassa. O restante é encaminhado para a indústria alimentar para uso da restante gordura que ainda contém.
“O azeite e a água vão entretanto para a centrífuga vertical, que separa o azeite da água. Por diferença de densidades, a água sai e fica apenas o azeite. Como ainda contém algumas impurezas, a fase seguinte é a passagem pelo decantador, onde fica em repouso, idealmente por 24 horas, o que permite que alguns sedimentos que ainda resistam sejam decantados”. O azeite, já mais limpo, segue então para a adega, onde o azeite fica armazenado, pelo tempo necessário. “Pode ser um dia, podem ser seis meses, consoante as necessidades. Posteriormente é expedido e carregado nos camiões cisterna”, diz Nuno Alarcão. A primeira colheita são cerca de 20 mil garrafas, “é um azeite muito especial para nós”, diz o responsável de sourcing.
Nuno Alarcão prevê para este ano um aumento de produção de cerca de 15%, o que representa cerca de 180 mil toneladas de azeite em Portugal. “Espanha produz mais de 50% do azeite que se produz no mundo inteiro e é um país muito importante na marcação de preço. É expectável que produza mais 60 por cento do que o que produziu o ano passado, cerca de um milhão e 400 mil toneladas. Temos outros países importantes no mercado internacional, que são a Turquia e a Tunísia, que este ano, juntas podem produzir 800 mil toneladas, o que significa que, olhando para a lei da oferta e da procura, havendo maior disponibilidade de azeite é natural que ocorra uma descida de preço. Dependerá das cadeias retalhistas, dos níveis de stock que cada uma tem e das decisões de gestão de cada uma delas, mas o preço de venda ao consumidor deverá descer”, isso é certo.
Sustentabilidade Gota a Gota
O compromisso com o ambiente é evidente em cada etapa do processo. A Sovena não apenas utiliza a água do Alqueva de forma eficiente, mas também promove práticas agrícolas regenerativas.
Áreas de conservação ecológica, cobrindo mais de 500 hectares, garantem a biodiversidade com o cultivo de plantas autóctones e a preservação de espécies como morcegos, aves e insetos polinizadores. A energia do lagar provém de biomassa gerada pelos subprodutos da azeitona, como os caroços e o bagaço, demonstrando uma abordagem circular que reduz o impacto ambiental. Além disso, a manutenção de um solo vivo e saudável é, como ilustrou no terreno a responsável de sustentabilidade, parte integrante da filosofia agrícola da herdade e da Sovena.
Reportagem completa na SCM N.º 57