Após 25 anos de negociações, o Acordo de Comércio Livre (ACL) entre a União Europeia (UE) e a Mercosul foi finalmente assinado, eliminando assim tarifas aduaneiras de trocas de grandes volumes entre a União Europeia e os países do Mercado Comum do Sul (Mercosul), uma reivindicação antiga dos operadores económicos dos países envolvidos.

O acordo elimina os direitos aduaneiros sobre 100% de todos os produtos industriais importados pela UE do bloco sul-americano, enquanto o Mercosul elimina os direitos sobre 90% dos produtos industriais importados da UE, entre os quais automóveis, maquinaria, equipamento informático, têxteis, chocolate, bebidas espirituosas e vinho.

Em declarações à Euronews Business, Frances Li, analista da Economist Inteligence Unit, comentou recentemente que “os direitos aduaneiros sobre os automóveis e as peças de automóveis para o Mercosul são atualmente de 35%, o que é muito elevado. As máquinas rondam os 14%-20% e os produtos químicos os 18%”, o que levaria a que países como a Alemanha ficassem “muito satisfeitos com a redução de alguns desses direitos aduaneiros”, beneficiando indústrias como a Volkswagen, BMW ou Mercedes-Benz. Também Portugal poderá sentir um impacto positivo, devido à importância do setor automóvel para a economia nacional.

Recentemente, 78 associações empresariais, que representavam uma ampla gama de indústrias da UE e do Mercosul, assinaram uma declaração conjunta aos seus governos para que estes acelerassem as negociações, destacando “a importância estratégica de reforçar os laços comerciais, fomentar investimentos e promover o desenvolvimento sustentável por meio deste acordo histórico”.

Várias fontes internacionais consideram que a assinatura do tratado foi acelerada pela invasão russa à Ucrânia e pela vitória de Donald Trump nas eleições americanas, antecipando as tarifas comerciais entre os EUA e vários países.

Trata-se de um acordo que envolve mais de 700 milhões de habitantes, e que, segundo os dados da Comissão Europeia relativos a 2023, os quatro países do Mercosul importaram 55,7 mil milhões de euros da UE, enquanto esta importou 53,7 mil milhões de euros. Os principais beneficiários deste acordo, espera-se que sejam a indústria automóvel e maquinaria, e os lesados o setor agrícola.

Entre os principais produtos transacionados entre as partes, a maior parte da exportação do Mercosul para a UE foram alimentos e animais vivos (32,4% do total) e produtos minerais (29,6%), entre os quais o lítio, dando à UE possibilidades de diversificar as suas fontes de minerais críticos para a produção de baterias e painéis solares, acelerando a transição energética. De recordar que uma grande parte dos minerais que os países do Mercosul podem abastecer à UE provêm da China, tornando-se uma fonte alternativa à grande potência mundial, visto que as tarifas impostas aos veículos elétricos chineses poderão complicar as relações comerciais entre as partes.

Apesar dos interesses comerciais de várias indústrias, houve também quem ficasse descontente com esta medida. Confederação Nacional da Agricultura (CNA) defendeu esta segunda-feira que o acordo de livre comércio não deveria ter sido assinado, acusando a UE de o ter feito de forma antidemocrática, envolta em secretismo e contra os interesses dos agricultores, prejudicando os pequenos e médios produtores.

O acordo prevê uma liberação de 82% das importações agrícolas dos países do Mercosul, enquanto estes removerão tarifas sobre 93% das exportações da UE, sendo, ainda assim, aplicadas quotas de tarifas a alguns produtos.

A UE contribui com cerca de um quarto das exportações mundiais de produtos agrícolas e da pesca, mas os produtos alimentares sul-americanos, em especial a carne de bovino e aves de capoeira, são considerados uma concorrência desleal, e invoca preocupações ambientais. Por este motivo, e procurando proteger os seus agricultores, a França foi o principal país que se opôs ao ACL, considerando as condições acordadas “inaceitáveis”, pois iria permitir que, por exemplo, para além das 200.000 toneladas de carne de bovino importadas destes países, o valor pudesse aumentar em mais cerca de 99.000 toneladas ao longo de cinco anos. Países como Itália, Irlanda ou Polónia também manifestaram alguma preocupação com o acordo.