Calcula-se que as pessoas com deficiência correspondam a 15% da população. Mas, quantas destas pessoas estão integradas no mercado laboral? Este foi o ponto de partida para o tema que faz a capa da mais recente edição impressa da SCM, a pretexto da entrada em vigor da lei que estabelece um sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência nas empresas dos setores público e privado em Portugal.

Esta é uma medida acolhida favoravelmente pelas empresas, como testemunham Follow Inspiration, Jomatir, plural+udifar, Jerónimo Martins, Leroy Merlin e Decathlon, e acolhida igualmente pelas consultoras de recursos humanos, como dá conta a Randstad Portugal, e pelo GRACE, organismo que, sob o mote Empresas Responsáveis, há muito que fomenta a reflexão sobre os temas da sustentabilidade corporativa.  Para todos, porém, mais do que cumprir as quotas, importa ir para lá delas, olhando para a inclusão com naturalidade.

Em vigor deste fevereiro de 2024, a Lei n.º 4/2019, de 10 de janeiro, define quotas correspondentes a 1% do total de trabalhadores das empresas com 75 a 249 pessoas e de 2% para as de maior dimensão. Uma medida que o GRACE, através do porta-voz da área de Conhecimento e Transformação, Sérgio Mascarenhas, encara positiva, ainda que a sua abordagem passe, sobretudo, por encorajar os associados e outras empresas a irem mais longe no recrutamento inclusivo, não se ficando pelo mero objetivo de cumprirem com as quotas impostas pela lei. “As empresas com melhores práticas procuram colaboradores com talento e potencial e sabem que estas caraterísticas se encontram em todos nós, pessoas com ou sem deficiência. Sabem também que aquilo que nos diferencia potencia muitas vezes capacidades que, de outra maneira, não levaríamos tão longe. Por isso mesmo, encaram a deficiência como um possibilitador de eficiência”, sustenta.

Assim sendo, entende que a sub-representação das pessoas com deficiência no mercado de trabalho é, para as empresas, uma bolsa de talento à espera de ser aproveitada. “Sim, há que cumprir as quotas, mas ser sustentável é ir mais longe. O nosso empenho está precisamente em cultivar junto das empresas esta visão mais ambiciosa”, enfatiza, afirmando que as melhores práticas de recrutamento inclusivo desenvolvidas pelas empresas são anteriores ao estabelecimento das quotas e são muito mais ambiciosas do que o mero cumprimento normativo.

Esta é uma realidade a que a Randstad Portugal está atenta e que a levou a criar, no início de 2024, uma área de recrutamento inclusivo focada no apoio a empresas e profissionais na integração no mercado de trabalho dos grupos sub-representados, entre eles as pessoas com deficiência.

“O tema está em cima da mesa e cada vez mais as empresas percebem os benefícios que uma equipa diversa poderá trazer em termos de inovação, produtividade e atração de talento”, afirma, a propósito, a consultora Carmen Vale de Gato, manifestando a opinião de que, “hoje, a inclusão é um dos principais fatores na estratégia de marca empregadora para muitas empresas portuguesas”.

Não obstante, esta é uma balança ainda desequilibrada. “Vejo que muitas empresas estão genuinamente empenhadas em promover a inclusão e diversidade, e para elas, a contratação de pessoas ao abrigo do recrutamento inclusivo é mais do que uma exigência legal: é uma forma de enriquecer a cultura da empresa e trazer novas perspetivas, de modo a aumentar a inovação do seu setor”, partilha. Outras, porém, “parecem adotar estas práticas pela obrigatoriedade de cumprir a legislação, especialmente em setores mais tradicionais, em que a cultura de diversidade ainda não faz realmente parte do dia a dia”.

Certo é que o caminho está a ser feito. É assim na Jomatir Logistics, cujo CEO, Leonel Cação, classifica a diversidade e a inclusão como essenciais para o sucesso: “Reconhecemos que um ambiente de trabalho inclusivo e diverso promove a inovação, amplia perspetivas e reflete os valores que procuramos defender”, afirma, dando conta de que a organização promove a representação de diferentes culturas, géneros, idades, origens étnicas, habilidades, orientações sexuais, identidades de género, religiões, formações educacionais e experiências de vida em todas as áreas.

“Garantimos que todos têm a oportunidade de se expressar, participar e contribuir num ambiente de respeito e colaboração. Rejeitamos qualquer forma de discriminação, assédio ou preconceito”, afiança, sublinhando que a empresa oferece igualdade de oportunidades em recrutamento, desenvolvimento, promoções e benefícios, assegurando que as decisões tomadas são baseadas em mérito e alinhadas com os valores de inclusão.  “Comprometemo-nos em remover barreiras físicas, tecnológicas e culturais para criar um ambiente acessível a todas as pessoas, incluindo aquelas com deficiência”, afirma, concretizando que a Jomatir contratou há mais de dez anos um colaborador com autismo, que realiza funções administrativas.

Também a cooperativa de distribuição farmacêutica plural+udifar valoriza a inclusão como parte central da sua missão: nas palavras do diretor de Recursos Humanos, Paulo Pessoa, prioriza ações que promovem a integração de pessoas com deficiência e outras limitações no ambiente de trabalho. Esta abordagem é uma extensão do seu compromisso com os princípios de solidariedade e equidade, característicos da Economia Social”, sustenta.

Na prática, esta política é implementada através de parcerias com associações como a APPDA, a APCC e a Associação Olhar 21, permitindo, assim, a integração de pessoas com deficiência cognitiva e outras limitações. São, atualmente, nove colaboradores nestas condições, realizando atividades no armazém da empresa em Coimbra, com a maioria a concentrar-se em tarefas de armazém.

A Follow Inspiration, tecnológica portuguesa focada na robótica, apresenta particularidades neste domínio. O CEO, Luís de Matos, é a personificação da inclusão, porquanto é ele próprio portador de deficiência. A paraplegia não lhe limitou a ambição nem a visão para o negócio e talvez por isso afirme que na sua empresa não existe uma política ativa definida: “Não excluímos nenhum perfil. Todas as pessoas são avaliadas e tidas em conta da mesma fora.”

E está a ser feito igualmente no retalho, com empresas como a Jerónimo Martins, a Leroy Merlin e a Decathlon a desenvolverem programas específicos neste domínio.

É o caso do Incluir, da Jerónimo Martins. Criado em 2015, proporciona o acesso ao mercado de trabalho a pessoas que estão em situação de desvantagem, em particular pessoas com deficiência e/ou incapacidade, migrantes e refugiados e pessoas em situação de risco social. Desde o lançamento, dele beneficiaram mais de 1.700 pessoas, o que levou à contratação – pelo grupo e pelas suas companhias em Portugal (JM Holding, Pingo Doce, Recheio, Jeronymo, Hussel, Jerónimo Martins Agroalimentar) – de mais de 800 pessoas. “O programa é atualmente apoiado por uma rede de 102 instituições parceiras, que nos ajudam a identificar potenciais candidatos”, especifica a Employee Relations & Internal Social Responsibility Global Director, Susana Correia de Campos.

É o caso também do “Somar à Diferença”, o programa que reflete o compromisso da Leroy Merlin de ser “uma casa para todos”. Assumindo-se como um empregador responsável, a empresa diz que esta é uma missão que começa por dentro, promovendo o emprego pleno e assegurando que cada colaborador tem acesso a condições dignas de trabalho. “O nosso objetivo é contribuir para um mercado de trabalho mais justo e inclusivo, garantindo oportunidades e respeito a todos”, sustenta a gestora operacional de recursos humanos, Sónia Horta, dando conta de que, nos dois últimos anos, foram contratadas cerca de 40 pessoas com diferentes tipos de incapacidade. Além disso, decorrem, em permanência, estágios inclusivos, o que constitui uma oportunidade de recrutamento e emprego.

Quando o tema é inclusão, a atuação da Decathlon está associada à educação e á melhoria da qualidade de vida das comunidades através do desporto: o propósito é, afinal, “Move People Through The Wonders Of Sport”. Fonte da insígnia em Portugal adianta que esta missão se reflete em todas as políticas, desde o recrutamento inclusivo até à promoção do desporto como ferramenta para a inclusão social. “A diversidade e a inclusão são pilares fundamentais no modelo de gestão das nossas equipas, pois acreditamos que equipas diversificadas e inclusivas são a chave para o sucesso”, sustenta, concretizando que a promoção do desporto inclusivo está presente na oferta, bem como nos projetos e parcerias desenvolvidos. Em resultado, a insígnia viu as suas práticas de diversidade, equidade e inclusão serem validadas, este ano, com a certificação EDGE.

 

Leia o artigo na íntegra na edição 58 da SCM.