Na logística, o futuro chega antes do amanhã. Como costumo dizer, quando uns ainda se deliciam com bolas de Berlim na praia, já nós acautelámos que nada faltará para as filhós de Natal. Ora, neste ainda curto mandato de Donald Trump, as transformações são de tal forma vertiginosas e impactantes, que ultrapassam a velocidade e capacidade de antecipação da logística.

Os impactos geopolíticos e estratégicos não eram antecipáveis na amplitude que estão a tomar, por muito dramáticos que fossem os cenários traçados.

Se a primeira chegada de Trump à presidência dos Estados Unidos marcou o início de uma era de transformações profundas no cenário geopolítico global, com reflexos diretos nas cadeias de abastecimento, imagine-se, a julgar pela amostra, o que será este mandato que ainda agora se inicia.

A posição em relação ao canal do Panamá, as severas taxas a importações, a reafirmação de políticas protecionistas musculadas e da retórica “America first”, não apenas impactam fortemente, como redefinem as relações comerciais internacionais.

Estes, entre muitos outros fatores, levam a uma aceleração da reconfiguração estratégica nas operações logísticas de empresas em todo o mundo que procuram adaptar-se, em tempo record, a um ambiente geopolítico cada vez mais volátil e imprevisível.

Um estudo recente, apresentado no Fórum Económico Mundial, revela que 75% das empresas globais estão a reconfigurar as suas cadeias de abastecimento para mitigar riscos geopolíticos. A principal razão? A incerteza gerada por políticas que referi acima, mas também por conflitos regionais e pela fragmentação do comércio global.

A diversificação de fornecedores, que começou no pós-Covid, reafirma-se, cada vez mais, como uma estratégia-chave. As organizações estão a adaptar-se ao mindset Trump e, simultaneamente, a afastar-se de dependências excessivas de regiões politicamente instáveis, em conflito ou sujeitas a sanções internacionais, optando por geografias que emergem como novos centros comerciais, oferecendo não apenas custos competitivos, mas também maior estabilidade política e económica.

A administração de Donald Trump trouxe consigo uma onda de tarifas comerciais e restrições, especialmente contra a China. Política que está a forçar muitas empresas a repensar as suas cadeias de abastecimento, levando a um fenómeno conhecido como “friendshoring” ou transferência de produção para países com afinidades políticas. Tendência que reflete uma busca por segurança e resiliência, mas também revela os desafios colocados por um mundo cada vez mais fragmentado.

O Boston Consulting Group (BCG) alerta para a necessidade de as empresas se prepararem para quatro cenários geopolíticos possíveis na próxima década. O que chamam de regresso ao futuro, ou seja, um mundo de cooperação internacional e comércio livre, com cadeias de abastecimento estáveis; a proliferação de conflitos regionais, geradora de instabilidade geopolítica localizada, com impactos significativos nas rotas comerciais; rivalidade multipolar, originando uma fragmentação do comércio global em blocos económicos, com inflação moderada e, finalmente, a escalada global de conflitos económicos e militares generalizados, com disrupções severas nas cadeias de abastecimento.

Torna-se assim crítico que as organizações desenvolvam planos de contingência e equipas especializadas em geopolítica.
Por sua vez, o relatório “2025 Ocean Outlook”, da Xeneta, destaca os riscos geopolíticos que continuam a perturbar o transporte marítimo. Conflitos no Mar Vermelho, tensões no Estreito de Taiwan e instabilidade no Médio Oriente são apenas alguns dos desafios que as empresas enfrentam.

A era Trump marcou o início de uma nova realidade geopolítica, onde a incerteza e a volatilidade são a norma. Prosperar neste ambiente obriga a uma abordagem proativa, diversificando as cadeias de abastecimento, investindo em resiliência e monitorizando o cenário global.

Nunca o comércio, a cadeia de abastecimento e a logística tiveram desafios tão vertiginosos. Agora, sim, o futuro parece chegar antes do amanhã.

Sara Monte e Freitas, Partner – Monte e Freitas | ERA Group