O Centro Cultural de Belém recebeu a primeira edição do Congresso de Supply Chain, promovido pela GS1 Portugal. O tema escolhido para iniciar esta nova aposta foi “cadeias de valor 5.0 – novo paradigma da competitividade”, num olhar mais digital e rodeado de inteligência artificial.
Nos últimos anos, a cadeia de abastecimentos tem sido impactada a vários níveis, gerando também incerteza nos mercados. Há quem diga que foi com o covid, mas outros defendem que o impacto em Portugal já vem de trás.
A abertura do evento ficou a cargo de João de Castro Guimarães, presidente executivo da GS1 Portugal, que contextualizou o evento com a atualidade: “este 5.0 representa a certificação, a modernização e uma ‘revolução’ na forma como as empresas devem ser unidas e em como podemos levar estas mensagens à nossa comunidade associativa”, sendo através destes eventos que encontram uma forma de partilhar conhecimento junto da comunidade.
A primeira intervenção coube a António Nogueira Leite, professor catedrático da NOVA SBE, que deu um olhar da economia europeia, com toda a incerteza e reorganização estratégica e pelas novas tarifas impostas pelos EUA, expondo os que exportam para este negócio. Neste sentido, olhou para a evolução portuguesa que, à exceção das quedas sentidas durante a crise de 2007 e a pandemia de 2020, apresentou um crescimento constante. O professor também analisou o impacto da IA na economia, tendo considerado que o impacto no início da década será menor do que o esperado.
Continuando o tema, Adolfo Mesquita Nunes, sócio da Pérez-Llorca, também indica alguns temas a ter em conta na hora de adotar soluções de IA, e os riscos. Destacou a necessidade de haver regras nos processos e nas empresas, e de ter visibilidade sobre estes para conseguir justificar as decisões da máquina, o que não ocorre atualmente. “Escolham parceiros firmes, sérios, nas vossas estratégias de IA. Olhem bem para os contratos e saibam o que estão a fazer”, recomenda. Ainda assim, apesar dos riscos, indica existirem muitas oportunidades na adoção destas tecnologias.
Por parte da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), Hugo Oliveira, diretor de regulação, apresentou o tema da “Transição Climática e Abastecimento Energético: os desafios dos transportes e da conectividade das cadeias logísticas”. Foi com este mote que abordou as transformações no ecossistema dos transportes e da logística. A descarbonização foi um dos principais temas, devido ao impacto ambiental dos transportes de mercadorias e de passageiros individuais.
Desde 1995 que o transporte de mercadorias cresceu 41% em Portugal, encontrando-se atualmente desafios ao nível da escassez de mão de obra, necessidades de requalificação para competências digitais e baixa representação feminina no setor. Aponta a necessidade de haver uma maior digitalização da sustentabilidade e de os regulamentos serem ajustados à realidade de cada região, criticando que a igualdade legislativa poderá prejudicar gravemente a economia, dando o exemplo de uma imposição de 30% de frota sem emissões em Lisboa ou no interior do país.
Seguidamente, Sofia Barbosa, director of Regulamentory Affairs da Greenvolt, manteve a temática, sob o mote “Transição Energética em Portugal e Estratégicas Logísticas para Micro e PME”. O tema da descarbonização foi acentuado com o Acordo de Paris, e considera que, atualmente, a situação geopolítica impõe a necessidade de uma revisão da estratégia europeia, com foco no aumento da competitividade, descarbonização e segurança.
A responsável aponta que, ao nível do autoconsumo, Portugal e Espanha têm um grande potencial devido à exposição solar, porém, são dos níveis mais baixos, chegando a ser ultrapassados por países com menores níveis de exposição. Defende o investimento em autoconsumo individual e coletivo, sendo que, para o primeiro, poderá ter um grande impacto especialmente ao nível do armazenamento de frio, por ter um maior consumo, e no segundo apresenta um potencial de partilha de excedente energético.
A terminar a manhã, deu-se o painel “Como a IA pode ajudar as empresas a tornar eficiente a cadeia de abastecimento”, sob a moderação de João Tedim, Worldwide Sales Strategy Director da Microsoft Data & AI, e com a participação de António Fernandes, diretor de Inovação e Projetos da Luís Simões Logística Integrada SA., Helena Tapp Barroso, Serviços de Consultoria AI Assessement da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, Paulo Laureano, Tech Team Area leader: Supply Chain, Comercial & Hardware da Worten. Após um contexto por parte do moderador, foi lançado o debate em três níveis: suporte ao cliente; inovação no produto e otimização de processos de engenharia.
Paulo Laureano considerou importante manter “a máquina” no processo, e as pessoas a acompanhar, mas no processo de decisão, suportando a ideia de Adolfo Mesquita Nunes. Nota que as pessoas geralmente ou estranham ou aceitam uma nova solução de IA, mas que é necessário explicar que as pessoas ainda são necessárias, apenas com outras funções, sendo necessário investir em formação. Ainda assim, considera que “devemos avançar de olhos abertos, mas com cautela”, visto ainda estarmos a passar por um “momento de deslumbramento” da IA.
“Estamos no olho do furacão, que nós não sabemos se é um pequeno tornado ou se é muito grande e irá mudar a vida de toda a gente, como uma nova revolução industrial, mas é muito importante nós tomarmos boas decisões, sempre com muita atenção, porque o entusiasmo raramente é amigo das boas decisões.”
– Paulo Laureano
Helena Tapp Barroso também concordou com o apoio da IA na decisão, e os desafios que surgirão para as organizações. Destacou a identificação de riscos e de regular este setor, pois a regulação que existe atualmente ainda não é suficientemente abrangente. Neste sentido, apontou como principais preocupações e riscos da utilização da IA a ética e transparência, a qualidade dos dados, a discriminação e opacidade do sistema, a segurança e a responsabilidade em caso de erro.
Por fim, António Fernandes deu o exemplo da Luís Simões e das medidas que estão a tomar atualmente para fazer face ao volume de trabalho com que se confrontam diariamente. O responsável considera que a IA traz uma maior produtividade e ajuda no planeamento e a tomar decisões mais rápidas, suportando a ideia dos colegas de painel de que é necessário haver pessoas a controlar estes processos, bem como parceiros dispostos a ouvir os clientes e a desenvolverem novas soluções.
A iniciar a tarde, Filipe Santos, Dean da Católica-Lisbon School of Business and Economics, apresentou “As perspetivas e oportunidades para a economia portuguesa em 2025-2027”. As “nuvens negras no horizonte” foram a introdução ao tema, representando a incerteza da atualidade face aos desafios que se antecipam, com temas como a queda do governo, a estagnação da Europa, a instabilidade geopolítica mundial, a ameaça de tarifas aduaneiras, a retração dos mercados financeiros ou o envelhecimento da população.
Ainda assim, face a todos estes desafios, Filipe Santos antecipa um raio de luz, prevendo algumas oportunidades nestes desafios, podendo Portugal beneficiar destas situações. Este positivismo justifica-se com os resultados recentes, como o crescimento do PIB nacional, a redução da dívida pública em 42,2% em quatro anos, o aumento da empregabilidade, a redução do risco de pobreza ou o aumento do rendimento real, demonstrando ser uma oportunidade para a supply chain.
Para falar sobre “Programa de parceiros Tecnológicos: A certificação GS1 ao serviço da Tecnologia e dos Dados”, Luís Figueiredo, diretor de Tecnologias e IT da GS1 Portugal, subiu a palco para abordar a importância dos dados e da sua qualidade. Nesse sentido, aponta os standards como uma forma de “falarem todos a mesma língua”, permitindo a partilha de dados com qualidade confiável, o que melhora o desempenho e a segurança, como é o caso das soluções 2D, como RFID ou Data Matrix.
João Mira Santigo, diretor executivo da Claranet, abordou “O potencial impacto da Inteligência Artificial na Cibersegurança”, e como funciona a “cadeia de cibercrime”. O responsável nota que todas as empresas estão a ser atacadas digitalmente, antecipando-se que cerca de 45% das empresas portuguesas sofram impactos.
A terminar os trabalhos, Pedro Oliveira Lima, consultor estratégico da GS1 Portugal, apresentou o Passaporte Digital do Produto, que apesar de ainda não estar implementado, irá ser exigido para a colocação de bens na UE. Esta nova estrutura de dados, embora não seja uma ferramenta de rastreamento, permite rastrear a vida do produto, tendo identificadores únicos do produto e da empresa, sendo as suas características obrigatórias divididas conforme os seus grupos.
Artur Andrade, Director Community Engagement da GS1 Portugal, fez o encerramento do evento, sintetizando as abordagens dos intervenientes ao longo do dia, e as temáticas de digitalização, descarbonização, riscos e oportunidades para as empresas portuguesas.