Imagine que lhe entregam provisoriamente 10 euros e a instrução de que os pode dividir, da maneira que desejar, com outra pessoa desconhecida, mas com a condicionante de que, se essa pessoa não concordar, ambos ficam sem nada.
Este conceito, conhecido como o jogo do ultimato, tem sido explorado em vários estudos, tais como “An experimental analysis of ultimatum bargaining” e “Fairness and the assumption of economics”. Neste contexto, surge uma situação intrigante: se a primeira pessoa decidir ficar com 9 euros e deixar apenas 1 euro para a outra, poderíamos supor que a segunda pessoa aceitaria, já que 1 euro é melhor do que nada, certo? No entanto, a realidade é que a maioria das pessoas recusa esta proposta e, por isso, bloqueia o acordo. O equilíbrio geralmente encontra-se entre 2 e 3 euros – valores abaixo disso, normalmente, são inaceitáveis.
Outra curiosidade deste conceito é de que a maioria das pessoas (60% a 80%), em vez de explorar esta oportunidade para negociar de forma desigual, opta por uma divisão igualitária do valor recebido. Isto porque para nós, seres humanos, o sentimento de justiça é demasiado importante. Em vez de aceitar um acordo que parece injusto aos nossos olhos, a maioria prefere ficar sem nada.
Na relação com fornecedores, a realidade também é assim. Embora possam sentir a pressão de vender a qualquer comprador, estes preferem negociar com aqueles que os tratam de forma justa, retribuindo da mesma maneira. No entanto, como comprador, não se pode simplesmente confiar que a reciprocidade será garantida. É necessário implementar mecanismos de controlo para assegurar que a negociação seja equilibrada e justa para ambas as partes.
Alguns compradores tendem a adotar uma postura ríspida com os fornecedores, acreditando que estes estão ali apenas para os servir. Embora esta abordagem possa funcionar em algumas situações, como em compras simples e únicas, ela traz muitas desvantagens, particularmente evidentes quando a relação é contínua ou envolve produtos e serviços mais complexos. Uma das principais desvantagens é que o fornecedor, além do pagamento, terá poucos incentivos para lhe oferecer uma melhor solução. Sentindo-se desvalorizado, pode deixar de sugerir alternativas vantajosas, limitando as opções do comprador.
É por isso que construir uma relação baseada na justiça e reciprocidade tem sempre benefícios. Imagine que uma empresa tem dois clientes com problemas temporários de fluxo de caixa. O primeiro construiu uma relação sólida com o vendedor e, por este motivo, liga para explicar o problema e oferece um plano de pagamento. O segundo tratou o fornecedor de forma desrespeitosa e apenas suspendeu os pagamentos. Destes dois exemplos, quem considera que continuará a ser atendido daqui para a frente?
Colocar a justiça em primeiro plano num negócio é também importante porque permite ampliar a discussão além do preço, abordando muitos outros fatores importantes e valiosos, tais como a velocidade de entrega, armazenamento, condições de pagamento, necessidades específicas de embalagem ou rotulagem, garantia, apoio pós-venda, entre outros.
Ao longo de todo o processo de compra, tenha em mente que alguns destes itens são mais valiosos para si do que para o fornecedor, e o inverso também é verdade. O valor e a importância de cada condição podem variar conforme a situação e pessoa envolvida. O ideal é ceder em pontos que são menos significativos para si e, em troca, conquistar os que têm maior valor para o seu lado. Tratar os outros de forma justa, mesmo mediante uma negociação, não é apenas do nosso interesse, mas sim o caminho natural para que consigamos todos beneficiar de um contexto empresarial mais colaborativo.
Pedro Amendoeira | Partner | ERA Group