Uma das alturas do ano em que se consome mais chocolate é na Páscoa. Além das amêndoas, o chocolate é um produto estrela desta época festiva. No entanto, este ano, devido às alterações climáticas que impactam a produção de cacau, os preços do chocolate têm vindo a aumentar. Estará a Páscoa condicionada para os consumidores, este ano? O que estão as marcas a fazer para contornar o problema? E o que podem fazer para gerir este desafio? Falamos com a Imperial e a Pedaços de Cacau para conhecer as dores da indústria e as alternativas possíveis, e com a Efficio para saber quais as estratégias a adotar pelas empresas para estarem melhor preparadas para este tipo de desafios.
O preço do cacau aumentou 30% desde o início de dezembro de 2024 devido à extrema seca que se fez sentir, no final do ano, na África Ocidental. A colheita não se mostrou tão boa quanto se esperava, e já se sabe que quanto menos produto há disponível, mais os preços aumentam.
Muitas são as marcas que estão a sentir este problema, como é o caso da Mondelez que apesar de ter registado um crescimento da receita no quarto trimestre de 2024, a sua rentabilidade foi afetada pela forte subida dos preços do cacau, antecipando um novo declínio dos lucros em 2025. Dirk Van de Put, CEO da Mondelez, referiu em comunicado que a fabricante está focada em enfrentar uma “inflação sem precedentes”, e não descarta a possibilidade de a empresa necessitar de aumentar os preços em 2026 se os custos do cacau se mantiverem elevados. No entanto, continua a depositar as expectativas nos consumidores.
Tendo em conta este cenário incerto, a Mondelez decidiu apostou numa alternativa ao dito “cacau tradicional”. A marca investiu numa start-up israelita que trabalha com “cacau de laboratório”, a Celleste Bio. A CEO da start-up, Michal Beressi Golomb, explicou ao FoodNavigator-USA, o que está a ser feito. “Estamos a reinventar o cultivo do cacau com uma combinação de AgTech, BioTech e Inteligência Artificial (IA) para produzir manteiga de cacau totalmente natural e de qualidade alimentar que atenda às necessidades da indústria do chocolate. Na verdade, estamos a fornecer uma maneira alternativa de cultivar cacau para atender à procura pelo chocolate.” Através desta opção geram-se menos emissões e menos desperdícios, uma vez que se utilizam células de um a dois grãos de cacau, que são nutridas com açúcar, vitaminas e água. A empresa utiliza modelos proprietários de IA para escolher células de variedades genéticas ideais ao cacau da natureza e “imitar o habitat natural da floresta tropical, controlando a humidade e a temperatura para fazê-las sentir como se estivessem numa árvore”, acrescenta a CEO.
Esta não é a única iniciativa do género que existe atualmente. Na Suíça, uma empresa chamada Food Brewer, está a trabalhar para colocar no mercado, em 2026, chocolate derivado da cultura de células retiradas de plantações, como se fosse “cacau in vitro”. Na mesma ótica, a Fazer, uma empresa finlandesa também já afirmou ter um produto à base de centeio maltado e óleo de côco, assim como uma empresa alemã, a Planet A Foods, que desenvolveu uma alternativa à base de sementes de girassol fermentadas e torradas, denominada ChoViva.
Segundo a regulamentação europeia, a maior parte destes produtos não poderá ser designada como chocolate, mas poderá ser uma alternativa ao produto tradicional, tendo em conta o aumento dos preços resultantes da dificuldade em obter a matéria-prima.
O que diz a indústria?
Quisemos saber o que pensa a indústria do chocolate, e perceber de que forma é que algumas empresas estão a sentir este problema, e como se estão a posicionar. A Imperial, empresa de chocolate da qual fazem parte marcas como Regina, Pantagruel, Jubileu e Fantaisie, reconhece que o aumento do preço do cacau é um “desafio estrutural” para todo o setor e que, por isso, afeta todos os players do mercado. A fonte da empresa indica à SCM que a Imperial conta com equipas especializadas que monitorizam, de forma contínua, a evolução dos custos mas matérias-primas – incluindo o cacau e derivados – e materiais. “Até ao momento, num exercício de enorme responsabilidade e compromisso, a Imperial tem feito todos os esforços para absorver, sempre de forma sustentável, o incremento dos custos nos produtos existentes e, assim, evitar repercutir a totalidade destes incrementos para o consumidor final”, refere. “O nosso objetivo mantém-se o de sempre: garantir a produção e entrega de chocolate de elevada qualidade ao consumidor português, que é a nossa principal prioridade.”
Por sua vez, a Pedaços de Cacau, marca portuguesa de chocolates artesanais, também confirma que está a sentir o impacto do aumento do preço do cacau, como conta a CEO e mestre artesã da empresa, Raquel Lima, que indica que o chocolate que provém do cacau é a base do negócio. “Esta situação obriga-nos a repensar estratégias de compra (compramos em maior quantidade de forma a baixar o custo da compra), e de produção para minimizar o impacto no cliente final”, explica, acrescentando que este desafio espoleta a necessidade de ser ainda mais eficiente na gestão de recursos e otimização dos processos.
No que diz respeito à Páscoa, uma das épocas mais importantes para a Pedaços de Cacau, a CEO confirma que se estão a preparar para o aumento da procura, mantendo a “qualidade e a experiência” a que habituaram os clientes. Contudo, a empresa está atenta à questão do preço. “Estamos a analisar cuidadosamente os custos para evitar aumentos significativos nos preços dos produtos, procurando soluções criativas, como ajustes nas gramagens ou a oferta de novos formatos, que preservem o valor percebido pelo cliente”, conta. Adicionalmente está a ser reforçada a comunicação aos consumidores explicando as razões por detrás de eventuais alterações. “Acreditamos que a transparência é fundamental para manter a confiança e a fidelidade do consumidor.”
Estratégias
É importante as empresas estarem preparadas para lidar com este tipo de constrangimentos, especialmente aquelas que dependem de alguma matéria-prima, como é o caso da indústria do chocolate. Alexandra Azevedo e Candela Mena, senior manager e consultora, respetivamente, da Efficio, empresa especializada em consultoria nas áreas de procurement e supply chain, destacam algumas estratégias que podem ser adotadas pelas empresas para estarem melhor preparadas para este desafio. Uma delas é a diversificação do portfólio, nomeadamente aumentar os produtos de gama de entrada para food service através da criação de novos sabores e texturas (misturas com frutos secos, cereais ou alternativas vegetais). “Ao criar produtos diversificados e menos dependentes de cacau puro há um alívio na pressão sobre a oferta global de cacau, ao mesmo tempo que se mantém a competitividade e a inovação no mercado”, indica Alexandra Azevedo. Além disso, sugere ainda parcerias com agricultores para assegurar a produção contínua de cacau e, em simultâneo, promover a sustentabilidade e educação do consumidor sobre a necessidade de usar recursos naturais de forma sustentável.
Quanto às alternativas ao chocolate tradicional, Candela Mena considera que estas opções podem ser viáveis para ajudar as empresas da indústria a enfrentarem o desafio do aumento do preço do cacau, pois não só têm o potencial de criar fontes de matéria-prima “mais estáveis e sustentáveis”, como são totalmente independentes do impacto de condições climatéricas adversas. Contudo, alerta que estas alternativas também enfrentam os seus próprios desafios, como altos custos de produção, barreiras tecnológicas e a aceitação do consumidor em larga escala. “Ainda assim, apesar de ainda estarem em fase inicial de desenvolvimento, revelam já ser uma oportunidade estratégica para as empresas diversificarem a sua cadeia de fornecimento, reduzir a dependência do cacau tradicional, e oferecer soluções sustentáveis”, salienta. A consultora sugere ainda a utilização da blockchain para melhorar a rastreabilidade da matéria-prima, a transparência e a sustentabilidade na cadeia de produção do cacau.
Pode ler o artigo completo na edição #61 da SCMedia News.