Atualmente, a gestão da cadeia de abastecimento enfrenta desafios complexos num mundo marcado pela volatilidade, com incertezas na procura, disrupções logísticas e rápidas mudanças no comportamento do consumidor.
Perante este cenário, a adoção de Inteligência Artificial (IA) e de Analítica Avançada não é apenas uma oportunidade, mas algo imprescindível quando o objetivo é eficácia e resiliência. Para se perceber melhor algumas questões atuais, recuemos na história.
A gestão de inventário evoluiu ao longo do tempo, acompanhando os avanços tecnológicos e a busca por maior eficiência. No início do século XX, o engenheiro de produção americano Ford W. Harris desenvolveu o famoso modelo de Lote Económico de Compras (EOQ), ainda hoje em vigor, para determinar a quantidade ideal de encomendas e reduzir custos de aprovisionamento.
Por sua vez, durante a Segunda Guerra Mundial, a logística militar impulsionou a aplicação de métodos matemáticos para otimizar inventários. Depois, entre 1960 e 1980, assistiu-se ao surgimento dos sistemas MRP (Planeamento das Necessidades de Materiais), o que tornou todo o processo mais organizado, sobretudo em contexto de fabrico.
Na década de 1990, o conceito de cadeias de abastecimento ganhou destaque e os softwares de gestão empresarial ERP (Planeamento de Recursos Empresariais) tornaram-se comuns, integrando compras, produção e distribuição. Paralelamente, o Just-in-Time (JIT) revoluciona a gestão de stocks, ao minimizar inventários e promovendo uma colaboração mais funcional entre empresas.
Chegámos, então, a 2010, altura em que as programas de Big Data (obter informações de grandes quantidades de dados) e Machine Learning (máquinas que aprendem com dados) possibilitaram modelos de previsão mais dinâmicos e precisos, conferindo um planeamento mais eficaz.
Atualmente as previsões já não são suficientes
Apesar dos avanços globais, muitas empresas portuguesas ainda recorrem a MRP e ERP desatualizados, visto que, por norma, não consideram variações sazonais, ciclos de vida dos produtos ou flutuações de mercado.
Contudo, estas duas funcionalidades não refletem o estado atual dos negócios, dado haver maior consciência sobre ser essencial modernizar os métodos de planeamento e a tomada de decisão. Algumas organizações já colheram benefícios tangíveis dessa transformação; todavia, as que não evoluírem serão incapazes de competir.
Durante décadas, o comércio dependeu das previsões de procura para definir stocks e planear as operações de logística. No entanto, com a incerteza galopante do ambiente global — desde alterações políticas significativas a acontecimentos fraturantes inesperados, como a pandemia — essa ‘fórmula’ tornou-se cada vez mais frágil.
Como tal, entidades mais inovadoras estão a adotar modelos de tomada de decisão que não dependem exclusivamente de previsões, incluindo também simulações e Digital Twins (réplicas virtuais dos negócios através das quais se consegue perceber o impacto de certas alterações sem testar na realidade) que permitem ajustes em tempo real.
O papel da IA Generativa nas empresas
A Inteligência Artificial Generativa (IA-Gen) tem dominado a atenção do mundo corporativo, visto que promete uma revolução na forma de operar. Porém, e apesar de todas as mais-valias, esta não é a solução para todos os problemas.
Embora tenha um papel precioso na sistematização de informações e no apoio à decisão, a IA-Gen não substitui técnicas fundamentais como previsão de procura e otimização do planeamento. Quando bem combinada, a sua força está em complementar outros métodos analíticos.
Apesar do grande potencial da IA e da Analítica Avançada, muitas organizações ainda não implementaram os tais métodos analíticos básicos. Para não ficarem para trás, precisam de investir em algumas etapas essenciais.
Por onde começar a mudança?
O primeiro passo é começar a adotar estas metodologias de análise. Isto porque muitos organismos esperam pelas condições ideais para seguir em frente. Contudo, o maior catalisador da mudança são os próprios casos de sucesso. Pequenos projetos iniciais geram aprendizagens valiosas e ajudam a criar o momento para uma transformação real.
Por outro lado, é imperioso haver uma cultura de dados, pois as decisões devem ser guiadas por factos e não apenas pela intuição; caso contrário, os esforços analíticos perdem o seu impacto. Além disso, é importante estruturar, limpar e ter os dados acessíveis, visto que, se estes não tiverem qualidade, não há escolhas inteligentes.
Crucial ainda é apostar na formação das equipas para que estas estejam à altura de aplicar insights analíticos e melhorar os processos continuamente, pois ferramentas avançadas são excecionais apenas quando bem interpretadas. Atenção, os projetos de maior valor não substituem pessoas, mas integram-nas com a tecnologia inovadora para potenciar resultados.
A cadeia de abastecimento do futuro será mais ágil, adaptativa e flexível. A tecnologia basilar para essa transformação já está disponível. Agora, o verdadeiro desafio é ter visão e coragem para dar o tal primeiro passo.
Certo é que as empresas que utilizarem dados para tomar decisões estarão sempre mais à frente. Num mercado cada vez mais competitivo, as que não o fizerem, correm o risco de perderem o comboio. A pergunta é: a sua organização está pronta para atuar?
Horácio Neri | Head of Industry | LTPlabs