Talvez por força do poder onírico do meu nome, nas vésperas de 14 fevereiro, emergem em mim sentimentos que partilham da palavra “paixão”, mas divergem no contexto em que se enquadra a aplicação desse sublime estado de alma.
Dadas, por um lado, as minhas confessas aversões aos fenómenos de consumismo social e por outro, o anseio de otimização logística, tenho de confessar que por esta época se cruzaram no meu pensamento, quer os aspetos da apologia comercial em que todos os dias nos vemos inevitavelmente imersos, quer a reflexão sobre a imensidão de todas as dinâmicas necessárias para garantir a realização prática, de tantas e tão diferentes atividades.
Porém, ao contrário do que seria de esperar, mais do que pensar em toda a logística relacionada com a atempada e suficiente disponibilidade de bombons, corações, ursinhos, flores e outros tantos bens materiais “mais originais”, dei por mim a pensar…nas flechas do Cupido.
Cupido… ou Eros, conforme damos primazia ao deus romano que personifica o amor, ou ao seu equivalente de origem grega, respetivamente.Mas aparte estes detalhes da semântica de origem mitológica, sim, pensei nas flechas.
E isto, porque não são umas flechas quaisquer. São aquelas, envenenadas de amor e paixão, que o gracioso e travesso deus com forma de menino transporta na sua aljava. São diferentes de outras flechas, também usadas por outros deuses.Mas são aquelas, que aquele deus específico precisa num determinado momento e lugar, para realizar uma tarefa muito bem definida. Não outras.
De onde vêm? Quem trata delas? Quem garante que estão a tempo e horas na aljava do Cupido, devidamente impregnadas do veneno adequado? E quantas são precisas?
Cada vez mais, todos nós esperamos que as “nossas” necessidades especificas sejam adequadamente preenchidas, sem pensarmos muito no que isso significa.Mas, num mundo de complexidade crescente, estas são questões transversais, que vão muito para além de um “nosso” caso específico.
Comercialmente, os fenómenos de massas trazem uma dimensão acrescida de dificuldade: o da satisfação massiva e simultânea de expetativas, traduzidas na disponibilidade, aquisição e entrega de produtos, bens e serviços, num curto espaço de tempo e num alargado contexto espacial.
Gerir necessidades de forma a minimizar os custos com o máximo de resultados, é o objetivo de todos os participantes neste jogo de interesses. Nossos, de quem nos fornece e, de todos os que estão por detrás desses mesmos fornecedores.
Para isso é preciso todo um trabalho de cuidadoso planeamento. É também necessário procurar e assegurar atempadamente a disponibilidade de recursos, sejam materiais, humanos ou tecnológicos.Precisa-se igualmente de garantir a correta adequação de aspetos como a movimentação ou armazenagem, isto para não falar da segurança, bem como por vezes da própria produção.E por fim, ainda é fundamental contemplar as condições de disponibilidade para o utilizador final.
Todas estas facetas não só devem e têm de ser articuladas em conjunto, como, cada vez mais, em maior e mais profunda sintonia. É este o objeto de trabalho, de quem faz da Gestão da Cadeia de Abastecimento (GCA), a sua profissão:
Uma visão e operacionalização articulada das necessidades, do que se requer para as realizar, tendo em conta as condições e os momentos em que têm de ocorrer.
Num mundo de complexidade acrescida, só com conhecimento profundo, abrangência de capacidades e alguma paixão pela adversidade, se conseguirão dar adequadas respostas logísticas. É este o contexto de atuação de uma cadeia de abastecimento realmente poderosa, num mundo crescente de deuses individualistas.
De facto, hoje em dia, quando queremos algo, não nos preocupamos. Não pensamos. Mais do que outrora, somos “deuses” que se dão, e se podem dar, a esse luxo.
Mas para que tal aconteça, aqui na terra, tal como no Olimpo, sem dúvida que há alguém que tem de desempenhar uma tarefa hercúlea, digna de um semideus.
Afinal de contas, como é que se poderia contar com tantas, rosas, bombons dentro do prazo, exclusivas experiências a dois ou, simplesmente… flechas, exatamente quando delas mais se precisam?
Silvério de Oliveira Paixão | Consultor