Faltam cinco meses para a data limite imposta pelo Reino Unido para chegar a um acordo bilateral com a União Europeia sobre os termos que devem regular a relação futura. O governo de Boris Johnson rejeita requerer uma extensão do período de transição e já se prepara para um cenário de não-acordo.
A negociação tem-se revelado difícil, com o extremar de posições de ambos os lados e sem lugar a grandes cedências. Porém, as partes têm diferentes interpretações sobre o futuro das relações entre a União Europeia e a Grã-Bretanha, com a balança a desfavorecer os britânicos.
Afinal, embora seja um parceiro económico de grande importância, o Reino Unido é apenas um entre 28 países, enquanto, num cenário de não-acordo, terá de negociar condições comerciais com 27 nações. As discordâncias começam logo com a própria estrutura do acordo. O Reino Unido não aceita interferências do Tribunal de Justiça da União Europeia, nem ficar sujeito às normativas europeias, sobretudo no que diz respeito à gestão do túnel que atravessa o Canal da Mancha e que liga as ilhas britânicas a França. A falta de entendimento estende-se ainda às condições de igualdade de tratamento entre empresas para uma leal concorrência e às pescas, sendo que o Reino Unido pretende escoar o seu pescado nos mercados europeus, mas recusa-se a permitir o acesso às suas águas.
O plano do Governo britânico é estabelecer novos acordos comerciais com vários países do mundo, mas, além de ser um processo complexo, muito dificilmente estaria pronto até 1 de janeiro de 2021. Isto, para não falar, do tempo que demoraria até à sua concretização e até que os seus efeitos se fizessem sentir no crescimento económico do país.
A grande aposta de Johnson é chegar a um acordo bilateral com os Estados Unidos, mas nem todos os britânicos estão felizes com isso. A indústria agropecuária, por exemplo, receia a entrada no país de um produto mais barato, que os obrigaria a baixar a qualidade dos que produzem em solo do Reino Unido. Também há rumores de que o Serviço Nacional de Saúde britânico seria privatizado e entregue a empresas americanas, mas presumo que não passe de especulação, já que não me
passa pela cabeça que o Governo de Boris Johnson abdicasse de um dosativos sociais mais importantes do país.
Certo é que a proximidade entre o Primeiro-Ministro do Reino Unido e Donald Trump preocupa os ingleses e o recente apoio britânico aos Estados Unidos na guerra com a China só veio adensar essa preocupação.
Há ainda a questão escocesa. A Escócia não quer deixar a União Europeia e um não-acordo poderia fazer ressurgir a reivindicação pela independência.
O Hard Brexit parece, portanto, um cenário cada vez mais possível, o que alterará o comércio dos países-membros da União Europeia com a Grã-Bretanha. A criação de barreiras alfandegárias implicará burocracia e custos adicionais sobre cada e toda a mercadoria que entra e sai do Reino Unido, que, embora se venha a preparar para esta situação, não terá condições favoráveis, além de que, sem um acordo, poderão verificar-se bloqueios substanciais nas fronteiras. Cenário, esse, que poderá levar a dificuldades de aprovisionamento do país de bens essenciais.
Encarando o caso específico das relações comerciais entre o Reino Unido e Portugal, quererão as empresas portuguesas acrescentar custos às suas importações e exportações de e para aquele país e passar pelas dificuldades inerentes a uma barreira física ou preferirão recorrer a mercados alternativos?
Parece-me que, num momento, em que o mundo atravessa uma crise devido à Pandemia de Covid-19, com um impacto brutal na economia e quebras históricas nos produtos internos brutos dos países, a Grã-Bretanha está a assumir um risco enorme em se isolar da Europa, onde se concentra 60% das suas relações comerciais. Além disso, esperar que acordos bilaterais com outros países compensem a quebra comercial com os países-membros da União Europeia é igualmente arriscado, ainda mais se tivermos em conta de que faltam apenas cinco meses para a saída definitiva do país.
Bruce Dawson, Chairman | Grupo Garland