A economia global é hoje uma realidade, quer para os cidadãos, quer para as empresas, sejam estas de pequena, média ou grande dimensão. Com base nesta realidade, neste artigo procuro dar a minha visão de como as empresas podem adaptar-se a esta realidade.
No caso das grandes empresas, o tema da globalização já não é novidade, mas para as designadas PME, é sem dúvida, necessária uma adaptação, no sentido de que, hoje, o acesso a produtos, já não se reduz à proximidade geográfica, mas estendeu-se a todo o globo. E se é verdade que hoje podemos comprar artigos de qualquer localização, é também verdade que o potencial cliente, esse também, pode querer os artigos entregues em qualquer lado do globo.
De forma a simplificar, neste artigo foco-me no processo de compra e sua cadeia de abastecimento, sendo que as ideias transmitidas, podem espelhar-se, com alguma adaptação ao processo da venda. De uma forma muito pragmática, o propósito de cada empresa é criar valor, logo, quanto maior a sua rentabilidade, melhor esta atinge o seu objetivo principal. É pois então um fator crítico o processo de aquisição de bens, da correta gestão da sua cadeia de abastecimento e seus impactos, é assim minha convicção que a fusão destas duas atividades, ou dois departamentos, compras e logística, é hoje em dia de vital importância. Este processo de fusão nem sempre é fácil, significa um processo de reestruturação, provavelmente uma mudança cultural, entre outras adaptações. Reflitamos no seguinte exemplo, mais frequente do que possamos imaginar, em que a melhor compra pode não ser aquela em que se adquire o produto pelo valor unitário mais barato, mas sim aquela em que o custo do artigo, acrescido dos restantes custos até que esteja na nossa posse seja o mais barato.
Então qual é a métrica com que nos devemos preocupar? Chamar-lhe-ei o Custo Total de Aquisição. É composto pelo custo do bem a adquirir, adicionando todo o custo da cadeia de abastecimento do mesmo. O custo do bem e potenciais fornecedores é a área onde o departamento das compras sempre desenvolveu a sua atividade, e sem dúvida, onde pode aportar o seu conhecimento e experiência adquirida. O custo da cadeia de abastecimento, é onde os profissionais de logística devem fazer refletir todos aqueles custos que advêm da cadeia de abastecimento, tais como custo de transporte, direitos e taxas aduaneiras, otimização da rede de transporte, risco de gestão da rede de transporte, gestão de parceiros de transporte, gestão administrativa entre outros.
A decisão de seleção do fornecedor deve então tomar em conta todos estes fatores de forma que a empresa opte pela melhor opção. A combinação do conhecimento destes dois departamentos, e a consideração de todos estes fatores é deveras crítica, para garantir que, no final do dia, a linha dos resultados seja otimizada. Nesta equação devem ser considerados todos os elementos críticos à seleção do fornecedor, seguramente elenco os mais importantes, mas esta avaliação deve conter todos os fatores que para a empresa são relevantes.
Esta avaliação deve ser feita considerando as necessidades específicas da empresa, seu mercado, e compromissos. Seguramente estes elementos serão diferentes e devem ser ponderados de forma distinta de acordo com o ecossistema onde a empresa atua. É diferente o sector automotivo, do sector da saúde. Vejamos então os fatores principais a ponderar, numa decisão de compra:
- Custo do bem: Preço de aquisição do bem sem outros custos adicionados.
- Ponderação do negócio existente com o fornecedor: Devemos evitar a dependência de um fornecedor específico, e em casos em que o risco de dependência seja mais alto do que o aceitável, devemos investir os nossos esforços no desenvolvimento de fornecedores alternativos.
- Incoterms: Garantir que o incoterm acordado com o fornecedor está adequado à troca comercial que se realiza, protegendo contra potenciais custos a jusante. De acordo com a minha experiência, este é um deficit real nas PME’s onde, por norma, o departamento das compras ainda não tem um conhecimento aceitável de quais as responsabilidades definidas por cada um dos 11 incoterms, e de que forma estes podem ajudar a empresa.
- Direitos e Taxas aduaneiras: Geralmente definidas pelo incoterm, devem ser sempre consideradas, pois são custos a incorrer pelas empresas. Podem, por vezes, ser a diferença entre um negócio rentável ou um negócio em que a empresa apenas perde rentabilidade.
- Otimização da rede de transportes: Analisar cada compra, à luz da realidade da empresa pode acontecer que num certo e determinado fluxo logístico, ou o vendedor ou o comprador, possam usar sinergias de outros negócios para minimizar o custo de transporte. Pode também acontecer, devido a essas sinergias, um fornecedor em que o custo do material é mais barato, mas não o suficiente para compensar os restantes custos. Por exemplo: a empresa importa bens da China, zona de Shanghai, utilizando transporte marítimo, em regime de contentor completo para a Europa. O fornecedor, em custo de material mais competitivo localiza-se nas Filipinas, então o delta do transporte marítimo em grupagem desde as Filipinas, é superior ao custo de adicionar mais este volume ao transporte marítimo desde Shanghai, então a melhor opção será a compra ao fornecedor chinês. Analisar sempre se existe o risco de ter de introduzir contentores extra, devido ao novo volume.
- Selecionar o modo de transporte mais adequado: Ponderar sempre qual o modo de transporte mais competitivo e adequado à natureza dos bens a adquirir. Dependendo das características logísticas do bem a adquirir, dimensões e peso da embalagem, o modo de transporte selecionado deve ser também ponderado.
- Frequência de transporte mais adequada: Sempre que a compra é feita repetidamente, devemos adequar a frequência do transporte. Pode ser definida pela quantidade mínima de expedição acordada com o fornecedor, pode ser de forma a otimizar o transporte, entre outros fatores que determinarão esta frequência.
- Custo de Inventário: Sempre que relevante, considerar o custo de propriedade do inventário, considerando um custo de capital adequado. O custo de capital deve também ser ponderado de forma correta, e alinhado com os interesses da empresa.
- Outros Riscos Externos: Considerar a exposição a riscos externos que podem resultar na necessidade de incorrer em custos extra para garantir a disponibilidade dos bens quando deles necessitamos. Estes custos são sempre muitos difíceis de quantificar, mas para ilustrar a minha ideia, consideremos o seguinte exemplo: imagine dois fornecedores, um localizado na Venezuela e outro na Alemanha. Facilmente percebemos que o risco é maior se o bem for adquirido ao fornecedor da Venezuela, onde o risco geopolítico é muito maior que na Alemanha.
Fruto das minhas experiências, posso afirmar que é raro encontrar num processo de decisão uma visão completa. Antes pelo contrário, é comum encontrar processos de decisão centrados apenas no custo do bem, fraco conhecimento dos incoterms em que o acordo é celebrado, e suas consequências. Em suma, a tradicional gestão por silos, e consequentemente uma linha de resultados menos generosa. É também crítico que esta visão seja partilhada ao nível do mais alto decisor da empresa que, por vezes, define indicadores e objetivos que contribuem para uma menor partilha interdepartamental daquele que é o interesse comum da organização.
Fausto Figueiredo | global supply chain sr member da Visteon Corporation
Obrigado pela partilha. Artigo interessante sobre tema que cada vez mais está em foco, “o real custo dum bem”. As comparações simplistas, jamais serão adequadas.