O tema da Colaboração entre os intervenientes de uma cadeia logística passou a estar presente quando se abordam as questões de redução de custos e diminuição da “pegada” ambiental das cadeias de abastecimento. As temáticas de Colaboração entre Distribuidor e Fornecedor remontam aos anos 90 e muitas organizações e modelos, uma das quais o ECR (Efficient Consumer Response) vieram destacar as mais valias e os processos de gestão dos vários casos de sucesso. Mas o mundo atual e em particular o os desafios da logística para o E-Commerce e as entregas na “última milha” obrigam ao desenvolvimento e utilização de novas plataformas e sistemas de Colaboração mesmo entre retalhistas concorrentes.
Vários tópicos estão presentes na implementação de uma cadeia logística para o E-Commerce:
- A gestão inbound da operação: engloba a adaptação do centro de distribuição para o abastecimento ao novo canal e que abrange entre outros, a remodelação do layout interno, o formato e preparação das encomendas e os requisitos necessários para o suporte do sistema WMS;
- Outbound: o desenho da arquitetura logística para a distribuição na “última milha”. A adaptação da rede de recursos físicos que permitam que o stock esteja mais próximo dos centros urbanos ao menor custo possível (centros dedicados ao E-Commerce, plataformas de cross-docking, buffers com stock e outros).
Esta cadeia de abastecimento deverá ser adaptada para servir em simultâneo o canal tradicional de lojas físicas também localizado na “malha” urbana e dar resposta às múltiplas entregas de pequena dimensão que são o panorama do negócio online.
Relembro uma diferença que me parece fundamental entre os 2 canais: o reabastecimento das lojas físicas é feito em formatos volumosos e homogéneos com múltiplas entregas durante a semana em camiões completos para 1 só loja em muitos dos casos. Para o canal online, as entregas passam a ser de menor volume, pacotes ou sacos com as unidades de venda e o nível de serviço exigido pressupõe na maior parte das situações a entrega ao domicílio do cliente final.
O canal online veio trazer também um tratamento diferenciado em diferentes áreas da cadeia logística: a importância da dimensão e tipo do sortido, os prazos de entrega, a política de devoluções e a gestão dos chamados custos de atendimento – fulfillment costs (os custos da operação de entrega ao cliente final).
Face a esta envolvência, os desafios para o desenvolvimento da logística para o E-Commerce deverão ser uma oportunidade para que se implementem Projetos de Colaboração entre os vários intervenientes, num formato de Colaboração Horizontal entre os atores homólogos ao mesmo nível, mas de diferentes cadeias de abastecimento. Os quais devem ter presente e desenvolver a partilha de meios físicos e de informação.
Todos os desenvolvimentos têm um contexto histórico.
O E-Commerce que hoje conhecemos tem a sua origem no ano de 1979, em que Michael Aldrich (1941-2014), um empresário inglês das Tecnologias de Informação modificou um aparelho de televisão para permitir a ligação a um computador especialmente dedicado às comunicações através de uma rede telefónica. M. Aldrich fez a primeira compra online, o teleshopping e a sua invenção foi chamada de Videotex. A sua invenção foi comercializada a partir de 1981 como uma plataforma de negócio que teve uma importante divulgação na época no Reino Unido no canal B2B e em particular no setor do Turismo.
O Videotex permitiu que fosse feita a primeira compra online a uma cadeia de supermercados. Na cidade de Gateshead no norte de Inglaterra, a TESCO desenvolveu para uma loja local o sistema Shopping Service para permitir a compra de cerca de 1000 referências com este sistema a partir de casa. A Sra. James Snowball de 72 anos utilizou este serviço para fazer a primeira encomenda tal como hoje fazemos; o seu pedido foi preparado na loja e entregue na sua residência por um funcionário que recebeu o pagamento em dinheiro. O facto na época foi tão marcante que a Sra. Snowball foi entrevistada enquanto procedia à encomenda (nota: referências no canal Youtube).
Passados 40 anos, um dos maiores desafios para a rentabilidade do negócio do E-Commerce deverá estar focado na gestão da chamada “última milha” – a entrega final ao domicílio do cliente.
A Logística para a “última milha” tem diferenças substanciais face às entregas numa loja física:
- A entrega ao domicílio pressupõe que o entregador chegue à morada correta, estacione o veículo de transporte, retire o pacote certo para o cliente, versus o estacionamento do camião e a descarga de cada palete para entrega na loja física;
- Os acessos ao prédio e à residência do cliente em contraste com a colocação das paletes no armazém da loja;
- A entrega ao cliente de pequenos pacotes em contrapartida com os múltiplos formatos homogéneos entregues na loja.
O Retailer só será eficiente no canal de distribuição online, se a gestão e planeamento da entrega porta a porta for igualmente eficiente. Os KPI de cumprimento da entrega assentam basicamente na verificação da janela horária acordada com o cliente, a entrega do pacote certo e a cordialidade, tudo isto ao menor custo possível.
O limite da ineficiência no E-Commerce ocorre quando 2 Retailers concorrentes do canal online que operem 2 redes logísticas separadas, com taxas de ocupação dos respetivos veículos e horários de entrega próprios, tenham que realizar entregas de encomendas a clientes vizinhos na mesma franja horária. Tendo em consideração este exemplo a que chamo de ponto do limite da ineficiência, será então preponderante o desenvolvimento de Projetos de Colaboração Logística entre os 2 concorrentes de forma a gerir as entregas num ponto muito próximo, através da disponibilização e partilha de veículos, do espaço disponível e entrega no mesmo local da “malha” urbana.
Um dos principais problemas que seremos confrontados com a gestão da entrega na “última milha”, será o aumento do número de veículos em circulação no meio urbano à medida que se verifica o crescimento do negócio deste canal de distribuição. Surge então a necessidade de repensar a globalidade das operações logísticas para o E-Commerce e a gestão das entregas ao domicílio do cliente final.
São várias as áreas envolvidas no desenho da cadeia logística para o canal online, mas foco o tema na área das Tecnologias de Informação e em sistemas que hoje fazem já parte da vanguarda do setor. Inclui-se entre outros, o conceito da plataforma E-Commerce Logistics Management (ELM). Esta ferramenta tem uma amplitude mais vasta do que os tradicionais sistemas ERP, CRM e em particular na área da Logística o WMS e TMS.
O E-Commerce Logistics Management assume-se como uma plataforma tecnológica que permite a ligação entre os diferentes Retailers, os 3PL e transportadores ao seu serviço e os clientes, com o objetivo de partilha de informação e dos meios físicos (sobretudo o espaço livre nos veículos de transporte, os destinos e franjas horárias de entrega) tendo em vista que as entregas na “última milha” sejam mais eficientes e ao menor custo possível. A filosofia do sistema pressupõe que à medida que as encomendas do canal online cresçam em número de volumes e frequência de entrega, possam ser desenvolvidas e exploradas ações de consolidação das entregas do mesmo ou de diferentes distribuidores.
A plataforma permite que múltiplas entregas para destinatários próximos, mas de clientes de diferentes cadeias, possam ser feitas com os mesmos meios físicos e ao mesmo tempo reduzir-se o custo de transporte e que se otimize a taxa de ocupação dos veículos em diferentes formatos de contratação. Por exemplo, o processo abrange o desenvolvimento de rotas comuns por sistema de routing e a partilha dessa informação de forma a otimizar o circuito logístico numa base comum.
Os últimos desenvolvimentos nestas áreas, que ainda possam ser entendidos como o futuro próximo, pressupõem modelos para a distribuição do E-Commerce que são já chamados como “Uber-like” para as entregas das encomendas a partir de plataformas de gestão comum e partilhadas por distribuidores que na base do negócio são concorrentes.
Manuel José Gomes | Head of Warehousing & Transport | SALVESEN Logística