Com a UE e o Reino Unido a chegarem a um acordo Brexit, também conhecido como Acordo de Comércio e Cooperação, ambas as partes estabeleceram uma tarifa zero no comércio entre eles, com as mercadorias a respeitar as regras de origem. Segundo avança o Transport Intelligence (TI), esta disposição específica tornou-se um dos obstáculos mais controversos e desafiadores para o comércio entre os dois blocos.

De acordo com os termos do acordo comercial, as mercadorias que cruzam a fronteira não incorrem em tarifas ou direitos, desde que sejam originárias da UE ou do Reino Unido; caso contrário, poderão estar sujeitas às tarifas standard da Organização Mundial do Comércio.

As complicações surgem quando os componentes do produto vêm de fora desta “área de livre comércio”, por serem totalmente fabricados no Reino Unido ou na UE. O acordo inclui um código personalizado de tarifa, que define os requisitos produto por produto. O acordo também não permite o reconhecimento mútuo dos standards de conformidade do produto, acrescentando outros níveis de verificações e requisitos de documentação nas alfândegas.

O TI dá o exemplo dos produtos lácteos, que têm tarifa se mais de 20% do peso vier de fora da área; para o chocolate branco, o limite é de 40%. Além disso, a transformação de ingredientes externos num produto alimentar do Reino Unido ou da UE pode, ou não, tornar o produto livre de tarifas, dependendo de como o alimento é feito.

Estas regras estão a causar disrupções e continuam a pesar no comércio UE-Reino Unido, já que as exportações do Reino Unido para os países da UE agora demoram, em média, mais 112%. De acordo com a empresa de navegação Forward2me, a diferença nos tempos de transporte entre Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021 saltou de 4,03 para 8,55 dias, como a média de todos os países da UE, com o maior aumento individual a atingir os 950%.

A empresa destacou a Alemanha como um dos destinos de transporte marítimo mais populares do Reino Unido, que registou tempos de trânsito porta-a-porta tão baixos quanto 2,86 dias em Novembro, mas saltou para os 10,46 dias em Janeiro deste ano, apresentando um aumento de 186%.

Todo este contexto levou algumas empresas a mudar os seus centros de distribuição, armazenagem e rotas de transporte devido às dificuldades causadas pelas tarifas pós-Brexit, procedimentos aduaneiros e política de imigração. De acordo com Susan Boylan, analista da equipa de operações e estratégia de logística da Gartner, o primeiro problema relacionado com o Brexit a causar disrupções, para muitos, foram de facto as regras de origem das mercadorias.

Como Boylan destacou, as dificuldades encontradas remontam à complexidade de um produto. Embora os produtos prontos sejam facilmente determinados, assim que um produto passa por uma transformação de um certo grau, ele pode, ou não, qualificar-se para as tarifas principais ou preferenciais estabelecidas dentro do acordo. Este é um ponto particularmente problemático para os fornecedores de alimentos, pois não podem reter altos níveis de stocks e exigem um processo de logística mais rápido, o que os torna um dos primeiros e mais afectados pelas consequências do Brexit.

Boylan realçou ainda que algumas empresas concluíram que rastrear a classificação dos seus produtos é tão caro que preferem pagar a tarifa.

A tudo isto acresce o facto de que uma em cada cinco remessas ou trailers estarem a ser retidos por falta de documentação ou documentação incompleta no momento do desalfandegamento, gerando limitações várias em tempos já de si desafiadores.

Como têm estado as empresas a mitigar estas dificuldades e impactos? De duas maneiras. Por um lado, evitando o Reino Unido e, por outro, mudando as suas infra-estruturas logísticas para o continente. Boylan cita como exemplo empresas irlandesas que evitaram a ponte terrestre do Reino Unido, optando por uma viagem de ferry para França, Espanha e Holanda, apesar dos custos mais elevados e dos tempos de transporte mais longos.