Tive intervenção numa rede logística de grande dimensão (nos transportes, elo intermédio, mas fundamental) e que será certamente no seu conjunto a maior rede mundial. Estou a falar naturalmente da rede postal. Tivemos sempre um objetivo: o “minuto zero”, que procurava cumprir ao máximo, pelo respeito que temos aos restantes elos da cadeia logística.
Por isso, quando falo em Supply Chain, lembro-me da expressão “relógio suíço”. Não estou a fazer publicidade a nenhuma marca de relógio, mas o funcionamento de uma cadeia de abastecimento, incorporando todas as suas componentes, deve ser regular, fiável, exato… competitivo. E recordo todos os milhões de trabalhadores que integram as cadeias logísticas, faça sol ou faça chuva, calor ou frio, cidades e estradas congestionadas, eles executam, todos os dias, a sua parte da cadeia para que as populações recebam os produtos de que precisam e as empresas vendam os seus produtos.
Se em condições normais já é difícil assegurar essas características (regularidade, fiabilidade, exactidão), porque há sempre a sazonalidade do mercado, imprevistos, agora tudo isto é muito mais difícil de alcançar.
Afinal, nunca foi fácil integrar as várias componentes e sabemos que se um desses elos tiver problemas, nos elos seguintes e no final haverá problemas acrescidos. E num mundo global as grandes cadeias logísticas são cada vez mais complexas, extensas, com muitas parcerias, algumas mais difíceis de controlar que outras.
Hoje, olhando para o passado recente, admito que o mundo era muito mais parecido com o tal “relógio suíço”. O comércio global, a digitalização crescente, a facilidade de comunicações e transportes faziam parecer fácil aquilo que à partida já era muito difícil. Entretanto, o mundo mudou… Porque houve (há) COVID, porque há guerra, porque há falta de peças criticas, porque o custo da energia disparou… Muitos porques.
Todos nós já experimentámos essas mudanças. As viagens que não se realizam, os automóveis novos que não satisfazem as necessidades do mercado, o custo dos transportes, o tempo de transporte. E, de repente, estamos noutro ciclo. Percebemos que temos que ser muito eficientes, ter soluções mais seguras, alternativas pensadas; não estar tão dependentes de terceiros e dos imprevistos que passam a ser previstos. Uma economia não pode esperar que os produtos cheguem do outro lado do mundo, que a energia apareça de qualquer lado, as fábricas não podem estar dependentes de peças feitas no outro lado do mundo.
Mas esta alteração profunda na Supply Chain é apenas uma parte de tudo o que está a mudar e vai continuar a mudar. A instalação de grandes redes de pontos de entrega é uma resposta à necessidade de racionalizar o comércio eletrónico e reduzir custos na distribuição. Temos que ser coerentes, defendemos o planeta, mas temos que começar por nós. As entregas gratuitas, à nossa porta, são um bom argumento de mercado, mas têm custos, sem dúvida.
Temos grandes desafios pela frente. Desafios globais:
- As alterações climáticas que nos estão a colocar em modo de sobrevivência (incêndios, albufeiras vazias, temperaturas cada vez mais elevadas);
- As alterações demográficas que estão a deixar continentes e países muito envelhecidos, sem profissionais suficientes para funções vitais, incluindo a falta de motoristas;
- As alterações energéticas, com tecnologias recentes e ainda em desenvolvimento e tempos de implementação muito curtos;
- Continentes e países com populações crescentes, muito jovens e com dificuldade em ter uma vida com qualidade.
Para garantir a fiabilidade de uma Supply Chain temos especialistas que cada vez mais têm que pensar na segurança e na criação de alternativas, mas precisamos de uma “Supply Chain Global” que garanta uma vida justa e digna para todos. Se falharmos neste projeto teremos um desfecho muito mau para todos.
O que nos leva à necessidade de “o mundo” que conhecemos até há poucos anos ter que se transformar para todos podermos viver em paz e desenvolvimento. Nunca tivemos tanto conhecimento, profissionais muito preparados, modelos de planeamento, inteligência artificial, automatismos, energias alternativas… Se o mundo é mais complexo do que nunca, também é verdade que nunca estivemos tão bem preparados para enfrentar as dificuldades. Mas este desafio tem que ser resolvido a todos os níveis. E os governos terão que assumir responsabilidades que, num mundo pacífico, competitivo, colaborante, não seriam necessárias.
E, ao nível das empresas, cada um terá que ter a capacidade para pensar em todos os desafios e preparar todos os cenários, incluindo a cada vez maior partilha e colaboração entre empresas. E pensar em todas as oportunidades de aumento de eficiência das operações, processos otimizados (incluindo rotas de transporte e distribuição, localização adequada de centros de distribuição), usar os modos de transporte mais adequados em cada situação, qualificar e reter os melhores colaboradores (essencial), automatizar tudo o que for possível, renovar equipamentos obsoletos e com custos de operação elevados, externalizar o que for interessante. Sem esquecer a segurança de todos, incluindo a segurança rodoviária (com ganhos significativos como tenho referido muitas vezes).
Esta abordagem inclui uma presença ativa no mercado. Se não há profissionais, vamos encontrá-los e formá-los. Se não há recursos adequados, vamos preparar profissionais e fazer parcerias quando for necessário. Para garantir o desenvolvimento e a vida com qualidade para todos os habitantes deste mundo, precisamos claramente de mais cooperação, de mais ciência, de mais racionalidade.
José Fernando Guilherme, Segurança Rodoviária | CTT – Correios de Portugal