A cadeia de abastecimento é essencial para satisfazer os requisitos do mercado, a um custo e investimento mínimos¹, e é, atualmente, tema quente. «Disrupção» é a palavra que salta sempre à vista, com os prazos de entrega alargados e a escassez de materiais na ordem do dia.

E, de facto, os dados confirmam esta realidade. Em 2021, de acordo com um estudo do Gartner Group, 68% de profissionais a trabalhar com cadeias de abastecimento reportaram que têm estado constantemente a responder a disrupções de elevado impacto desde 2019 e, ainda, que são atingidos por um novo evento disruptivo, antes de terem recuperado do evento anterior².

A realidade é que, num mercado global, iremos enfrentar constantemente disrupções de abastecimento, seja devido a desastres naturais, escassez de recursos e de mão de obra, conflitos que afetam o comércio internacional ou outros eventos inevitáveis e imprevistos.

Deste modo, e de acordo com um estudo da PwC, é urgente mitigar o risco e aumentar o nível de agilidade na cadeia de abastecimento. Isto irá levar a que os Chief Supply Chain Officers atualizem a atual visão de cadeia de abastecimento para uma visão de ecossistema com parceiros ligados em rede: uma Supply Chain Network, isto é, uma rede de Cadeias de Abastecimento interligadas³.

Tendo larga experiência em projetos de melhoria e alinhamento de processos e organização da logística e cadeias de abastecimento, vemos esta tendência como próspera para as empresas, já que assenta em princípios de otimização e agilidade.

Cooperação acima da competição
Numa supply chain network os parceiros partilharão informação, processos e plataformas digitais comuns, em vez de apenas movimentar produtos, serviços e informação de um elo para o outro de uma cadeia de abastecimento.

Adicionalmente, estes ecossistemas poderão partilhar ativos, como armazéns, plataformas logísticas e transportes e ainda realizar investimentos conjuntos, de modo a mitigar risco e alavancar oportunidades do lado do abastecimento e do lado da procura.

Citando mais uma vez o estudo do Gartner Group, a modularidade destes ecossistemas será também uma vantagem competitiva². Os recursos e processos da cadeia de abastecimento serão organizados em módulos como «blocos de lego», que podem ser rapidamente configurados, construindo caminhos alternativos ao longo da supply chain network.

Por exemplo, se uma fábrica se deparar com uma avaria inesperada e não conseguir cumprir um determinado prazo de entrega de uma encomenda, esta informação é imediatamente disponibilizada na rede, sendo acionado de modo automático um fornecedor alternativo para a encomenda em questão. Imaginando que esse fornecedor alternativo se encontra noutro continente, o modo de transporte (que seria originalmente rodoviário) passará a marítimo por exemplo, de forma imediata, rápida e transparente para todos os parceiros da supply chain network.

A transição de cadeia de abastecimento para um ecossistema / rede de cadeias de abastecimento, em que o caminho de um produto ou serviço poderá seguir itinerários alternativos e parceiros distintos, consoante o momento, a capacidade, a procura e o risco, será fortemente suportada por tecnologias como blockchain, big data, cloud computing e inteligência artificial. Nos próximos anos, a utilização destas tecnologias suportará a criação de uma rede de cadeias de abastecimento autónoma, capaz de automaticamente planear a supply chain em tempo real e executar ações operacionais de modo automatizado e eficiente.

No entanto, é esperado que esta automação venha incrementar e não substituir as atividades humanas, em particular nas áreas de tomada de decisão, planeamento e modelação de cenários, previsão e market intelligence. Espera-se ainda que a tomada de decisão evolua de uma base de sensibilidade e feeling para decisões baseadas em factos². Contudo, iremos inevitavelmente assistir à automação de tarefas transacionais e repetitivas como entrada e tratamento de encomendas, por exemplo, em que a mão-de-obra será substituída por robots digitais.

União é tendência de futuro
As previsões realizadas em 2021 pelo Gartner Group apontam para as seguintes tendências²:

  • Em 2026, mais de 50% das grandes organizações irão competir como ecossistemas digitais colaborativos, e não como empresas individuais, partilhando inputs, ativos e inovações;
  • Em 2024, as cadeias de abastecimento re-desenhadas para a modularidade irão operacionalizar inovações nos seus modelos de negócio em metade do tempo dos seus concorrentes;
  • Em 2026, mais de 50% das cadeias de abastecimento irão utilizar machine learning e inteligência artificial para aumentar a sua capacidade de decisão.

Para fazer a transição de uma cadeia de abastecimento para uma supply chain network o Gartner Group apresenta as seguintes recomendações²:

Preparar as organizações para participar em ecossistemas alargados
Incluir muitos novos parceiros, através da obtenção de consensos quanto aos benefícios de ser parte desse ecossistema. A perceção de que os ganhos serão mútuos para os parceiros permitirá ultrapassar a resistência interna à partilha de ativos e de informação em benefício do ecossistema.

Construir as capacidades do ecossistema de parcerias deixando claro como é determinada a troca de valor
Desenvolver a capacidade de identificar novos parceiros que tragam ao ecossistema competências complementares e promover capacidades partilhadas. Medir, acompanhar e melhorar, com base em princípios claros de compromisso.

Desenvolver a plataforma tecnológica e a conectividade do ecossistema
Dar prioridade a investimentos na digitalização, de modo a suportar o aumento do número e da intensidade das interações com os parceiros de negócio. Trabalhar com os responsáveis das áreas de IT, de modo a adotar tecnologia capaz de trocar informação segura e em tempo real, como API’s (Application Programming Interface) e blockchain.

Por onde começar?
Em primeiro lugar, o alinhamento interno das organizações é fundamental, eliminando silos funcionais, em que as várias áreas cumprem objetivos que as levam muitas vezes em sentidos contrários, a custos logísticos elevados e a baixos níveis de serviço ao cliente.

Em paralelo, a gestão de todos os elementos logísticos debaixo de um mesmo «chapéu» é obrigatória, dados os trade-offs nos respetivos custos. Isto é, não se poderá tomar decisões quanto a transportes, por exemplo, sem pensar em stocks e armazenagem. As decisões relativas a cada elemento de custo logístico não devem ser tomadas individualmente, mas sim de modo integrado.

O passo seguinte será implementar uma função de planeamento tático que abranja a cadeia de abastecimento end-to-end e efetue a gestão dos atores e processos logísticos, de modo sincronizado e integrado. Neste ponto, será possível e vantajoso o alinhamento e colaboração com parceiros externos, sendo, no entanto, desafiante em termos organizacionais.

Numa relação tradicional, as compras de uma empresa são o principal e, muitas vezes, único ponto de interação com as vendas do seu fornecedor. Numa relação colaborativa, haverá maior partilha de informação e de processos, pelo que as áreas operacionais e de back-office de ambos os parceiros, que tradicionalmente não estabelecem contacto entre si, passarão a estar em colaboração direta com a área homóloga do parceiro.

Para uma verdadeira integração, as fronteiras entre as empresas tornar-se-ão menos definidas e os pontos de contacto entre as organizações serão múltiplos.

Gisela Santos | Diretora da área de consultoria em Gestão e Engenharia Industrial | INEGI


Referências

¹ Adaptado das definições da European Logistics Association e U.S. Council of Logistics Management
² “Predicts 2022: Supply Chain Strategy”, 16 November 2021, Gartner Group
³ “Connected and autonomous supply chain ecosystems 2025”, PwC, 2020