No meio de perturbações na cadeia de abastecimento provocadas pela pandemia, aumento dos custos e crescente volatilidade da moeda, a Unilever está a trabalhar para tornar as suas operações em África mais auto-suficientes, aumentando o recurso a fornecedores locais, o que significa uma potencial vantagem para agricultores e processadores em várias partes de África, dizem os especialistas.
Tal como muitas empresas globais, a Unilever tem-se debatido com o aumento dos custos da energia e das matérias-primas nos últimos dois anos. A guerra na Ucrânia exacerbou os bloqueios e disrupções na cadeia de abastecimento e os problemas de produção que começaram com a pandemia. A fabricante, que detém marcas como Knorr, Hellmann’s ou Ben & Jerry’s, sofreu um impacto de mais de 4 mil milhões de euros na inflação líquida dos materiais no ano passado. E espera que os preços de algumas matérias-primas aumentem ainda mais no primeiro semestre deste ano, de acordo com informação da Reuters.
A gestão dos custos cambiais é, em grande parte, o que está a conduzir a uma orientação para os fornecedores africanos, afirmou a Unilever, apesar de o abastecimento naquele continente poder custar mais do que a compra em algumas partes da Ásia.
“Mais de 95% das marcas que vendemos aos nossos consumidores (africanos) são produzidas em fábricas africanas”, disse à Reuters Reginaldo Ecclissato, chief business operations e supply chain officer da Unilever. “Mas, até há pouco, só conseguíamos obter menos de um terço do que necessitávamos em África.” Actualmente, mais de dois terços dos ingredientes que entram nos produtos da Unilever vendidos nos mercados africanos provêm do continente, afirmou a empresa. Em particular, está a aumentar o fornecimento de sorbitol e especiarias – que anteriormente eram importados da Índia e da China – de fornecedores em países como a África do Sul e a Nigéria.
Mas a Unilever não está sozinha. Tedd George, um consultor da cadeia de abastecimento especializado em África, afirmou que outras empresas, incluindo a Nestlé e a Danone, estão também a aprofundar a sua presença em África, atraídas em parte pelo rápido crescimento do seu mercado de consumo. Estas empresas estão também a tentar reduzir a sua dependência da China, para evitar uma futura repetição da paralisia causada pelos confinamentos registados em Pequim, afirmou.
“O que está a acontecer na China está a levar as pessoas a encontrar alternativas”, disse Pierre-André Térisse, um antigo executivo da Danone que dirigiu o negócio do gigante dos lacticínios em África de 2015 a 2018.
Embora a Unilever tenha desencadeado este esforço para aumentar o abastecimento a partir de África há quatro anos, o plano acelerou durante a pandemia, disse Ecclissato. Na África do Sul, por exemplo, desenvolveu uma rede de pequenos agricultores para cultivar coentros e malaguetas para as suas marcas locais de especiarias Roberstons, misturas de caril Rajah e cubos de caldo Knorr, substituindo as especiarias anteriormente adquiridas na Índia.
Na Nigéria, onde a sua fábrica de Lagos produz anualmente entre 10000 e 14000 toneladas de pasta de dentes CloseUp e Pepsodent, a Unilever está a aumentar o abastecimento local de sorbitol, um ingrediente anteriormente trazido da China e que pode ser extraído da mandioca.
Yemisi Iranloye, da Psaltry International, em Oyo, Nigéria, processa mandioca de cerca de 10.000 agricultores. Tendo começado a fornecer sorbitol à Unilever apenas no final do ano passado, a multinacional compra actualmente cerca de 70% da produção de sorbitol, o que representa cerca de 40% do volume de negócios total da Psaltry International.
Reginaldo Ecclissato explicou à Reuters que a compra local permite parcerias mais estreitas com os fornecedores, poupanças no transporte marítimo e uma redução da pegada de carbono.
Yemisi Iranloye, que também fornece a Nestlé e a Danone, espera que o volume de negócios da Psaltry mais do que duplique este ano. “Significa também uma melhor subsistência para a população do continente, especialmente para os agricultores”, disse à mesma fonte.
Contudo, a capacidade de África para produzir matérias-primas – em especial produtos agrícolas – pode ser um fator limitativo, pelo menos por enquanto. Yemisi Iranloye melhorou recentemente as suas instalações de processamento de mandioca para acompanhar a procura crescente, incluindo a da Unilever. Mas, actualmente, só está a funcionar a cerca de 60% da sua capacidade. “Ainda não temos mandioca suficiente”, disse ela. “A matéria-prima é um desafio. Os agricultores precisam de ser devidamente financiados”, sublinhou.