Uma investigação da organização não-governamental Earthsight associou as marcas Zara e H&M a desflorestação ilegal, apropriação de terras, violência e corrupção no Brasil, e revela que o algodão utilizado nas peças de roupa vendidas na Europa poderá não cumprir as regras de certificação, apesar de estar identificado como sendo de origem sustentável.
Segundo a investigação, houve uma análise ao grande desenvolvimento de produção brasileira de algodão tendo como finalidade a exportação, e seguiram o destino de mais de 800.000 toneladas desse produto, contaminado, mas certificado, para empresas na Ásia, onde são produzidas as peças de roupa para as marcas venderem, especialmente na Europa.
A entidade utiliza investigações aprofundadas para denunciar crimes ambientais e sociais, injustiças e ligações ao consumo global. Neste caso, passou mais de um ano a analisar imagens de satélite, decisões judiciais, registos de embarque e a seguir, disfarçadamente, esse algodão até feiras globais.
Entre 2014 e 2023 o algodão produzido por duas empresas brasileiras, SLC Agrícola e Grupo Horita, com um longo historial de processos judiciais, casos de corrupção desmatamento ilegal de 100.000 hectares de terra e apropriação indevida de terrenos no Cerrado (Brasil) foi vendido a oito fabricantes de vestuário, para países como a Indonésia, Paquistão ou Bangladesh, fornecedores da Zara e da H&M.
O Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil, cobrindo uma área de entre 1,8 e 2 milhões de quilómetros quadrados, cobrindo cerca de 22% do país. Mais de metade foi desmatado para a agricultura em grande escala, nomeadamente para a produção de algodão, o que levou à destruição de habitats e deixando centenas de espécies em vias de extinção. Com isto, a Earthsight antecipa que até 2030 o Brasil deva ultrapassar os EUA enquanto maior fornecedor de algodão do mundo.
A entidade não-governamental aponta que nem a H&M, nem a Zara compram o algodão diretamente aos produtores, vindo estes de terceiros. Segundo avançou o relatório, todo o algodão contaminado foi certificado como sendo sustentável pela Better Cotton, entidade considerada o maior programa de sustentabilidade de algodão a nível mundial, mas que já foi acusada de greenwashing, secretismo e incumprimento da proteção dos direitos humanos. O Brasil representa cerca de 40% do algodão certificado pela Better Cotton, sendo que esta iniciou um inquérito após a acusação.
Posteriormente, a Earthsight recebeu as respostas das marcas do grupo Inditex. Por parte da H&M, a retalhista afirmou estar a identificar junto da Better Cotton necessidades de melhorar o processo de certificação, enquanto a Zara admitiu trabalhar com as empresas do Paquistão referidas, mas que estas negaram que comprassem algodão diretamente a qualquer produtor do Brasil. Por sua vez, os produtores negaram todas as acusações da entidade.
À Reuters, a SLC Agrícola admitiu estar “totalmente disponível para cooperar com qualquer nova verificação que possa ser necessária”, enquanto o Grupo Horita considerou as acusações infundadas. “Concordamos com a conclusão da auditoria e estamos abertos a implementar as melhorias que foram propostas. Continuamos a lutar pela transparência, o principal valor da governança que abraçamos no nosso grupo”, acrescentou ainda o grupo.
Sam Lawson, diretor da Earthsight, alertou para que “se tem roupa de algodão, toalhas ou lençóis da H&M ou da Zara, é bem possível que estejam manchados pela pilhagem do Cerrado. Estas empresas falam de boas práticas, de responsabilidade social e de sistemas de certificação, afirmam investir na rastreabilidade e na sustentabilidade, mas tudo isto parece agora tão falso como os arranjos das suas montras”.
Perante as afirmações, na sequência desta investigação, a Inditex pediu esclarecimentos à Better Cotton. À Lusa, a detentora das marcas H&M e Zara enviou um comunicado que refere que “levamos extremamente a sério as alegações contra a Better Cotton, que proíbe terminantemente nos seus requisitos práticas como a apropriação de terras e a desflorestação. Consequentemente, solicitámos à organização que partilhasse, o mais rapidamente possível, o resultado da investigação independente que foi levada a cabo e as medidas necessárias para garantir uma certificação de algodão sustentável que respeite os mais elevados padrões”.