No passado dia 22 de maio decorreu, no Centro Cultural de Belém, a segunda edição do Seminário de Imobiliário Logístico, organizado pela Associação Portuguesa de Logística (APLOG). Durante o evento foram vários os temas transversais, como a questão da acessibilidade e estruturas de apoio junto de empreendimentos logísticos fora dos grandes centros urbanos, o aumento da procura em comparação com a pouca oferta, o impacto negativo da demora nos processos burocráticos e a importância dos critérios ESG.
Após a abertura ter sido feita por Afonso Almeida, presidente da APLOG, Ricardo Guimarães, diretor da Confidencial Imobiliário Iberinmo Grupo, deu início ao ciclo de sessões. Durante a sua intervenção, cujo mote era “Conjuntura VS Futuro”, abordou o estado atual do imobiliário comercial e logístico/industrial em Portugal e Espanha. De um modo geral, o mercado em Portugal teve um retorno total de 6.8% e 7.0% em ativos de operação no ano de 2023, o que contrasta com os dados espanhóis, cujo retorno total de ativos foi de 0.0%. As yields dos ativos industriais mantiveram-se acima de 7.5% em Portugal, e em Espanha não atingiram os 6.0%.
“Novos Desafios do Mercado” foi o tema do primeiro painel do dia, que juntou Rui Gomes, country manager Portugal da DHL Supply Chain, José Manuel Soares, head of operational Efficiency da Sonae MC, Jorge Valério, diretor técnico da AICEP Global Parques, e Francisco Fezas Vital, principal da Blackstone. Nuno Torcato, advisory & transactions services director – Industrial & Logistics da CBRE Portugal, além de ter moderado a sessão, apresentou inicialmente os highlights de um estudo sobre o índice de confiança do setor logístico em Portugal, que serviu de base para a conversa que se seguiu. Ao contrário de 2023, o índice é positivo. Os operadores logísticos estão mais otimistas, mas permanecem receosos para o futuro. No que diz respeito à procura, as zonas da Grande Lisboa e do Grande Porto são as localizações mais procuradas, e relativamente à oferta, o stock existente é antigo e desajustado às necessidades da logística moderna, e há falta de ativos logísticos para arrendar. Os operadores logísticos querem investir em sustentabilidade, não só porque os clientes o exigem, mas também pela própria reputação da empresa. Incertezas e disrupções nas cadeias de abastecimento são os principais desafios evidenciados pelas empresas, e a Inteligência Artificial está na mira do setor.
A conversa, inicialmente, focou-se nas preocupações que os oradores têm vindo a sentir nas suas empresas, destacando as disrupções, como é o caso do Mar Vermelho que aumentou os lead times, evidenciava Rui Gomes. Por sua vez, José Manuel Soares, referia que, embora os desafios, têm conseguido arranjar soluções, mas ainda há alguns focos de preocupação, como a falta de mão de obra, e a flutuação do mercado. “Queremos crescer, trabalhar a sustentabilidade, e sermos eficientes… e isto dá trabalho”. Nuno Torcato pediu que Francisco Fezas Vital desse um conselho para quem quisesse apostar no setor logístico em Portugal. O principal da Blackstone respondeu com o maior desafio atualmente: a falta de liquidez. Ainda assim, afirmava que o foco é estar perto das grandes áreas localizacionais, nomeadamente na Grande Lisboa e no Grande Porto. José Manuel Soares, evidencia a falta de oferta e também a dificuldade que estão a ter para encontrar um espaço no Algarve que corresponda às necessidades da Sonae MC. Uma das preocupações destacadas por Rui Gomes é, precisamente, a deslocalização. “A procura por espaços a um preço competitivo tem sido relevante”, indica, acrescentando que na zona da Azambuja não há espaço, e o que existe tem preços bastante elevados. Nos últimos tempos têm surgido alternativas nas periferias, como por exemplo, em Benavente. No entanto, esta alternativa traz alguns problemas relacionados com as pessoas. São necessárias infraestruturas de apoio para trazer e manter as pessoas a trabalhar em centros deslocados dos grandes centros, nomeadamente a nível da acessibilidade (transportes), ou condições para os filhos (creches, escolas).
“A procura por espaços a um preço competitivo tem sido relevante” – Rui Gomes
Jorge Valério falou sobre a dinâmica da procura por empresas na área industrial, na qual “temos sentido um crescimento”, acrescentando que “a procura foi tanta desde 2008 que, dos 1.300 hectares que tínhamos, ficamos sem oferta”. Atualmente já estão a desenvolver novos hectares, e a trabalhar em colaboração na procura de desenvolvimento de território consoante as necessidades. A sustentabilidade também teve foco durante a sessão. Francisco Fezas Vital falou sobre a diferença entre alguns países europeus, nomeadamente Portugal, Espanha e Itália, em comparação com os países nórdicos, como é o caso da Suécia. “Em Portugal, o inquilino ainda não exige o certificado BREEAM e, por exemplo, na Suécia não se alugam infraestruturas sem painéis solares”, reflete. Afirma ainda que o que acontece, hoje, nos países nórdicos, cá deverá acontecer num período entre cinco ou oito anos.
O segundo painel reuniu Nuno Pereira da Silva, diretor da Square Asset Management, Sérgio Nunes, associate, head of Industrial Logistics & Land da Cushman and Wakefield, David Claudino, managing Director Portugal da Qantara Capital, Jorge Martins, responsável técnico do centro de distribuição nacional da Leroy Merlin, e Nuno Esteves, capital Markets Business Development Industrial & Logistics na JLL, que moderou a sessão, cujo tema era “novos projetos em carteira e desafios de implementação”.
A conversa decorreu em três momentos temporais: de onde viemos, onde estamos e para onde nos encaminhamos. Nuno Pereira da Silva recordou os anos de 2016/2017 em que não havia praticamente nenhuma construção nova em Portugal, e o que havia tinha sido projetado à medida. Referia que, nesta altura, havia muita construção especulativa, e que a seguir à crise, os operadores logísticos ocuparam muitos dos espaços que estavam devolutos, gerando uma tendência para a queda das rendas. “Com uma grande resiliência dos proprietários e operadores logísticos, ainda há sítios que funcionam muito bem”, reflete. O debate fluiu para o tema das localizações dos empreendimentos logísticos. David Claudino indicava que, da parte da Qantara Capital, acreditam em localizações mais baratas com elevados padrões ESG, e que reconhecem apenas interesse nos grandes centros urbanos pela perspetiva de última milha. Jorge Martins indica que a tendência está a direcionar para a periferia, mas mais perto da orla da cidade pois, fora da orla levanta problemas para os quais diz não estarem preparados, como é o caso de falta de mão de obra. Refere ainda que o projeto da Leroy Merlin, em Castanheira do Ribatejo, reúne o melhor dos dois mundos: tem uma localização premium, junto da autoestrada e junto a um eixo de acessibilidade de transportes. Por sua vez, Sérgio Nunes, evidenciou que as localizações premium conseguem responder mais rapidamente às necessidades dos clientes.
“Menos burocracia trará mais eficiência aos projetos, mas é precisa uma mudança de mentalidades porque ainda há muito conservadorismo” – David Claudino
De seguida, abordou-se a evolução do cenário logístico e qual tem sido a receção do mercado. Nuno Pereira da Silva referia que as novas localizações trazem mais abrangência ao mercado, mas só têm valor se houver ocupantes. Sérgio Nunes afirmava que “a logística evolui, mas os PDM’s (Plano Diretor Municipal) não acompanharam estas novas exigências”. Considera “incomportável” que vários projetos estejam à espera de licenciamento há cerca de três ou quatro anos. Falando em burocracias, surgiu o tema do simplex, um programa de modernização administrativa que integra medidas de simplificação, modernização e inovação visando melhorar a qualidade dos serviços públicos para as pessoas e empresas. David Claudino afirma que ainda não sentiram uma evolução desde a sua implementação, que data a 4 de março de 2024, uma vez que os vários intervenientes no mercado ainda se encontram numa fase de adaptação. “Menos burocracia trará mais eficiência aos projetos, mas é precisa uma mudança de mentalidades porque ainda há muito conservadorismo”, reflete. Para o futuro, Jorge Martins considera que tem de haver uma preparação prévia das infraestruturas de apoio aos polos logísticos, e fomentar o ESG para se tornarem mais competitivos.
Seguiu-se a terceira sessão, com o tema “Regulação, projeto e licenciamentos”, que contou com a moderação de Fernanda Pedro, diretora do Diário Imobiliário, Artur Castro, diretor-geral da Core Concept, Gonçalo Reino Pires, counsel da Uría Menéndez, Miguel Garcia, general manager da Garcia Garcia SA, e Tomás Bonifácio, industrial & logistics da JLL.
Tomás Bonifácio começou por fazer uma restrospetiva do estado do mercado, referindo que, ao longo dos anos, tem se observado uma evolução neste setor. “A procura da logística sofisticou-se muito, e a oferta também”, indicava. Referia que, atualmente, os níveis de procura são muito superiores, e a procura já está dispersa. Artur Castro, teve oportunidade de falar sobre a forma como cada projeto logístico é pensado. Explicou que são diferentes dos industriais, e que são necessárias parcelas muito grandes para haver espaço para tudo o que compõe um empreendimento logístico, e que a forma retangular é a mais adequada. “Os acessos são verdadeiramente importantes”, salienta reforçando a ideia de que “a acessibilidade não é só estar perto de uma autoestrada”. É preciso espaço e meios para que a movimentação flua na entrada e saída da infraestrutura. Apesar de a indústria e a logística serem duas áreas diferentes, na visão de Miguel Garcia, as duas “têm de andar de mão dada”, reforçando que “onde está a logística, a indústria tem de estar”. Desta forma, destaca a importância de uniformizar as regulamentações de ambas as áreas e trabalhar em conjunto com as autarquias. Por sua vez, Gonçalo Reino Pires, defende que “antes de haver um apoio é preciso que haja um interesse público associado. E sem dúvida alguma que há”. Destacou que, durante a primeira década do século, havia uma maior preferência pela utilização industrial, e que os municípios “adotavam o preconceito” de que era apenas a indústria que gerava dinheiro, enquanto a logística era apenas “ocupação de espaço”. Defendeu ainda que é necessário “sair do âmbito municipal” para conseguir definir localizações para investimentos na área da logística, considerando importante avaliar políticas regionais e nacionais para selecionar os melhores sítios para que as plataformas logísticas tenham um impacto relevante.
“Onde está a logística, a indústria tem de estar” – Miguel Garcia
O último painel do evento abordou o tema “Ordenamento e planeamento do território”, que reuniu Susana Castelo, diretora e consultora sénior da Transportes Inovação e Sistemas, Silvino Lúcio, presidente da Câmara Municipal da Azambuja, Carlos Pina, diretor da Unidade de Planeamento do Território da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, e Pedro Figueiras, head of Industrial & Logistics da Savills. José Limão, consultor de comunicação e imagem, moderou a sessão.
O tema desta sessão remete para o início de cada projeto, que passa pelo ordenamento e planeamento do território. Carlos Pina começou por dizer que os municípios são os gestores do território, e há diversos fatores a considerar, nomeadamente a acessibilidade. Sobre este tópico, Susana Castelo apelou a que se considerasse não apenas os transportes rodoviários, mas todos os outros modos de transporte. Relativamente ao mercado logístico, Pedro Figueiras quis deixar claro que o propósito dos negócios é a atividade em si, e é isso que deve ser tido em conta.
António Ramalho, senior advisor & industry fellow da Católica Porto Business School, encerrou o ciclo de sessões com o tema “Outlook 2024 – Logística ou Logísticas”. “Vivemos numa altura de incertezas, e isso tornou-se numa certeza”, começou por dizer, referindo-se às várias disrupções que se têm vindo a viver, bem como o sentimento de normalidade das populações face ao instável panorama político global. Apresentou alguns dados globais sobre inflação, desemprego, taxas de juro, eleições e imobiliário, que comparou com os dados de Portugal, mostrando o seu impacto. No final da sua apresentação destacou os fundamentos da nova logística que resultam do crescimento pós-pandémico, nomeadamente o e-commerce (orientado para o retalho), o nearshoring, a reindustrialização e novas soluções, que considera terem determinado o sucesso na área da logística nos últimos anos. Contudo, evidenciou os verdadeiros drivers da logística daqui para a frente: ESG, localização e urbanismo, compliance no transporte, supply chain industrial e diferenças nas indústrias, nomeadamente nos canais B2B e B2C.