Nestes dias quentes, dei por mim a tentar acender um fósforo para preparar a grelha e assar duas belíssimas douradas da Madeira. Ora o fósforo estava inutilizado, provavelmente pela humidade que durante o Inverno se apoderou da caixa. Recorri a um isqueiro e lembrei-me que noutras épocas em Portugal para usar este utensilio teria de ser portador da Licença anual para uso de Acendedores e Isqueiros, obrigatória entre 1937 e 1970.

As douradas da Madeira, cuja qualidade mereceu aprovação geral dos convivas na mesa, teriam sido capturadas e embaladas na véspera, e transportadas por avião entre o Funchal e Lisboa no mesmo dia. Entre a sua entrega no centro de distribuição da cadeia de hipermercados e o momento que pousaram na grelha teriam decorrido 48 a 72 horas. Tempo no qual esta espécie de aquacultura aguenta perfeitamente toda a frescura. Vale a diferença de preço para outras espécies de douradas oriundas de outras geografias e transportadas por outros canais logísticos. Um consumidor atento percebe que chegam ao nosso país douradas oriundas da Grécia ou Turquia. (Spoiler: não voam. E o tempo de transito não são 48 horas. Nem 72.)

Mas este artigo não é sobre gastronomia. E se escrevo sobre douradas da Madeira é para assinalar os sete anos da operação de carga aérea do consórcio MAIS/SWIFTAIR para as nossas regiões autónomas. Sem a aposta da MAIS/SWIFTAIR dificilmente teríamos tido a mudança de paradigma logístico que permite hoje aos produtores da Madeira exportarem em voo dedicado de carga, mais de duas mil toneladas de Dourada fresca, totalmente enraizada no hábito do consumidor continental.

Estive profissionalmente ligado a esta operação na sua génese. Posso garantir que nada foi fácil. Sou testemunha dos inúmeros os desafios e noites em branco do António Beirão e da sua equipa, para lançar e garantir a manutenção dos voos regulares de carga aérea para a Madeira.

Talvez a começar pela natureza da operação: puramente carga. Apesar de ser o único cargueiro regular a voar em espaço nacional, o mindset dos principais stakeholders do sector estava muito dirigido para os passageiros. Um voo que compete por quilos e não lugares teve de penar até se impor pela diferença e ultrapassar constrangimentos vários. A operação da MAIS é ainda hoje a única operação de carga aérea regular nos aeroportos nacionais.

Acredito que os Açores sejam agora o principal desafio. A referida lei dos isqueiros, apesar da sua inutilidade demorou 33 anos a ser revogada. A mudança nunca é fácil em Portugal, mas vejo como inevitável que em pouco tempo os agentes logísticos e exportadores açorianos adotem novas cadeias de abastecimento com base no valor acrescentado que o transporte dedicado e regular de mercadorias possibilita às suas exportações.

Operacionalizar a mudança de meio logístico parece-me mais um desafio de mudança de mentalidade do que económico. Desafio que não se reduz às rotas insulares. Há muitas exportações na economia portuguesa que beneficiariam de novas cadeias de abastecimento baseadas no modo aéreo. Há mercados que pagam a diferença. Por alguma razão temos azeite australiano a ser exportado por charter com destino aos EUA. Imagine-se se fosse a partir de Beja.

Filipe Antolin Teixeira | Consultor Carga Aérea