Recursos humanos, tecnologia, sustentabilidade. Estas são algumas das balizas dos desafios que a logística enfrenta, desafios esses extensíveis à cadeia de abastecimento do setor farmacêutico. Isso mesmo foi evidenciado esta quarta-feira, em Lisboa, no evento Pharma Supply Chain, promovido pela Supply Chain Magazine (SCM).

“Repensar a logística num mundo em transformação” foi o tema transversal a toda a conferência e o tema sobre o qual foram convidados especificamente a refletir os participantes na mesa redonda que encerrou o evento: Sérgio Quinteiro, Deputy Director of Supply Chain & Operations da Luz Saúde; Tiago Seguro, Global Head of Pharma – Contract Logistics da Rangel Logistics Solutions; e Bruno Simões, Logistics Director, da SOMAÍ Pharmaceuticals.

Com moderação do diretor-geral da SCM, Filipe Barros, e tendo como ponto de partida o “mundo em transformação”, Sérgio Quinteiro começou por dar conta de que, no setor hospitalar, os últimos anos não registaram evolução significativa a nível tecnológico devido ao foco na COVID-19. Mas, foi precisamente a pandemia que evidenciou a resiliência e a robustez da cadeia de abastecimento, com as equipas a perceberem que tinham capacidade para operar em circunstâncias imprevistas e disruptivas.

A pandemia foi – como reforçou Tiago Seguro – “um simulacro real”: com 50% da equipa, em média, foi preciso responder a mais 60% no volume de unidades transacionadas. Foi “um exercício de resiliência” e a cadeia teve a capacidade de se adaptar, “contribuindo para que os portugueses tivessem dos melhores índices de vacinação” a nível global.

Um resultado para o que contribuiu a cooperação entre todos os elos da cadeia, a começar pela autoridade regulatória, o Infarmed, que dispensou alguns dos procedimentos burocráticos. “O sistema funcionou bem”, levando o responsável da Rangel a defender que esta cooperação devia ser a regra.

Por sua vez, o Logistics Director da SOMAÍ – uma empresa que desenvolve e fornece produtos à base de cannabis, com dois anos no mercado – deu conta de que um dos desafios colocados pela pandemia decorreu do aumento dos preços das matérias-primas, obrigando a procurar novos fornecedores e evidenciando a importância de haver um plano alternativo.

Bruno Simões identificou ainda como relevante a necessidade de consolidar encomendas, de modo a otimizar o transporte. No caso específico da empresa, colocam-se ainda questões ao nível do forecasting – por ser recente, não existe ainda um histórico destes produtos, e do aprovisionamento – na medida em que o ciclo de crescimento natural das plantas implica trabalhar com prazos mais dilatados do que a farma convencional.

Por sua vez, Sérgio Quinteiro e Tiago Seguro convergiram na identificação dos recursos humanos como um dos desafios que o setor enfrenta, a par da sustentabilidade, atendendo a que a indústria farmacêutica é das que mais resíduos gera. No que concerne a tecnologia, a automação e a digitalização estão igualmente no horizonte, se bem que os custos associados possam constituir um entrave a uma adoção mais célere.

A supply chain segue o paciente

A tecnologia é um dos pilares da transformação em logística e está no cerne das soluções desenvolvidas pela Glintt, como deu conta, o manager Silvério Neves, numa intervenção em que mostrou como “a supply chain segue o paciente”.

Começou por elencar algumas tendências que estão a mudar a sua sociedade e que, em sua opinião, se refletem nas organizações e, em particular, na supply chain: a especialização – de conhecimento, de atividades e de funções, a cooperação – entre os diversos especialistas, e a economia da partilha, por oposição ao conceito de posse.

Passando ao setor da saúde, deu a conhecer alguns dados, nomeadamente o facto de, em Portugal, os consumidores terem uma perceção positiva dos serviços de saúde, colocando o país em 13.º a nível global. Bem posicionado face à média está também – embora não seja essa a perceção – quanto ao número de médicos por habitante, mas desce quando se trata do número de contactos, nomeadamente consultas, por doente, denotando uma interação “muito baixa”. Outro dado prende-se com o acesso ao especialista, o que, a nível nacional, se faz por duas vias – por referenciação do centro de saúde ou ida às urgências, no Serviço Nacional de Saúde, e diretamente, nos prestadores privados. Esta dualidade afeta o desempenho do país do ponto de vista comparativo.

No que respeita a indicadores de saúde, destacou que o internamento é apenas responsável por 20% dos gastos com medicamentos. E focando-se na logística, chamou a atenção para a sua complexidade a nível hospitalar, correspondendo a 46% dos custos. A complexidade estende-se ao circuito do próprio doente, entre sistema público e sistema privado, entre cuidados primários e cuidados hospitalares, gerando dois modelos logísticos.

Focando-se nas tendências do ponto de vista tecnológico, citou a virtualização, materializada na telemedicina; a telemonitorização, que, por via da recolha de dados permite a personalização dos cuidados, detectando, por exemplo, falhas na toma da medicação; o recursos a ferramentas digitais como a RFID; e a utilização de drones, uma solução que considerou viável fora dos grandes centros urbanos, nomeadamente para transporte de análises clínicas, permitindo otimizar a logística hospitalar. A analítica de compras é outro dos caminhos, dado que a saúde é, como afirmou, das poucas áreas em que se conhece o futuro, sendo possível utilizar os dados de planeamento para prever as necessidades.

As oportunidades das parcerias

Uma das tendências sociais identificadas pelo manager da Glintt foi a especialização e a cooperação entre especializações e a parceria entre a ZOR e a DB Schenker é disso testemunha. Foi o que abordaram o CEO da empresa portuguesa, Manuel Pizarro, e o Key Account Manager – Healthcare & Aerospace VM do operador logístico, João Carvalho, convidados a pronunciar-se sobre “Exportação Global de Medicamentos: Desafios e Oportunidades no Contexto da Economia Circular e Sustentabilidade”.

Com presença em 40 países, a ZOR começou por apostar na logística de long mile, mas alargou, entretanto, a sua oferta à last mile. E disponibiliza soluções para toda a cadeia térmica, isto é, que protegem os medicamentos e demais produtos de farma independentemente da temperatura, de modo a garantir a sua integridade.

A sua aposta mais recente – e que está na origem da parceria com a DB Schenker – decorre do crescimento das exportações de medicamentos, com Portugal a responder por 3,6% do total e com tendência para aumentar. O que – disse – constitui uma oportunidade para a ZOR.

As duas empresas associaram-se, assim, numa station em Madrid, que permite criar capacidade a nível de stock, proximidade, seguimento, distribuição estratégica, rapidez e disponibilidade. “Para voar até onde os clientes forem”, comentou Manuel Pizarro. Trata-se de aproveitar o alcance da DB Schenker para apoiar os clientes noutras geografias, como São Paulo ou Nova Deli.

Pelo operador logístico falou João Carvalho, dando conta da mudança de paradigma desencadeada pela pandemia no grupo DB e que levou a olhar para a operação como mais do que transporte. É assim que surge a aposta em novos segmentos de mercado, nomeadamente no que se prende com mercadorias do setor farma, dos medicamentos aos dispositivos médicos, passando pelos produtos de nutrição.

Para dar seguimento a esta estratégia, um passo fundamental é a certificação – ISO e GDP, nomeadamente. “O ponto de partida para podermos penetrar neste mercado é mostrar às empresas que temos a estrutura e as certificações que garantem qualidade do serviço”, afirmou, sublinhando que, neste âmbito, a oferta da DB Schenker é integrada, agregando mais processos do que o transporte, por via da existência de estruturas físicas próprias que permitem controlar todo o circuito.

Soluções ao serviço da indústria farmacêutica

E foi precisamente sobre serviços e soluções para as supply chain da indústria farmacêutica e healthcare que se discutiu no painel seguinte, com a primeira intervenção a cargo de Marco Andrade, gestor de produto na XLOG, que abordou os “sistemas de visão no armazém de pharma”.

Afirmando que “cerca de 30% dos medicamentos em Portugal passam pelos clientes” da sua empresa, apresentou algumas das tecnologias desenvolvidas pela XLOG e colocadas em prática nos respetivos armazéns. Do voice picking à utilização de drones, o portefólio é vasto e inclui ainda dispositivos de visão artificial que, por via da Inteligência Artificial, permitem ler até 200 códigos de barras em simultâneo, mesmo em condições de luminosidade deficientes e com capacidade para se adaptar aos diversos tipos de produto. Esta é uma ferramenta com múltiplas vantagens, como sublinhou, na medida em que pode ser utilizada na receção de stock, na conferência de encomendas e na gestão de inventário, além de que o dispositivo pode ser colocado em múltiplos cenários, dos pórticos aos empilhadores.

Marco Andrade deu igualmente a conhecer a ferramenta Tricolops, que, “com grande rapidez”, permite obter a dimensão e peso de um produto ou caixa, integrando automaticamente os dados na respetiva ficha.

De outra natureza são as soluções que Nuno Figueiredo, National Sales Manager I&L da Adecco Outsourcing, levou à conferência, com a sua intervenção a centrar-se sobre “o poder do outsourcing na indústria farmacêutica: vantagens competitivas”.

Começou por dizer que a indústria farmacêutica não tem prática de externalização. Porém, o mercado mudou, está a crescer a dois dígitos – 17% ao ano –, com um incremento de contratação de 6% ao ano e com alguns desafios “extremamente complicados”. A saber, uma população envelhecida, desenvolvimento de novos medicamentos, Portugal um hub de produção farmacêutica.

A resposta a este cenário – afirmou – reside na especialização, o que passa por a indústria farmacêutica se dedicar ao seu core business (investigação e desenvolvimento, e produção). No entanto, existem tarefas e funções que não são o core, mas têm de ser asseguradas: aqui o caminho é a externalização destes processos, entregando-os ao outsourcing.

De volta às soluções tecnológicas, Romeu Klug, Sales Manager da Devlop, focou-se no tema “Otimizar processos logísticos na indústria pharma: solução VMS”. Com 25 anos de experiência, a empresa é especialista na implementação de soluções verticais para os setores do transporte e logística.

No que toca aos sistemas de gestão de armazéns, oferece soluções para pequenas, médias e grandes empresas. No setor Pharma, o WMS da Devlop, de acordo com o seu porta-voz, apresenta como pilares a conformidade regulamentar e rastreabilidade, quer do produto, quer das devoluções; a digitalização e integração, sendo que a digitalização envolve o inventário e os pedidos, com a integração com outros sistemas a melhorar a visibilidade em tempo real e aa coordenação de toda a cadeia. Permite, igualmente, a gestão de armazéns multicanais, isto é B2B, B2C e e-commerce, garantindo que os fluxos de pedidos são otimizados para cada tipo de cliente ou mercado. Oferece flexibilidade, com capacidade de personalização e adaptação às necessidades logísticas das diferentes operações, permitindo uma gestão ágil. Além disso, assenta na automatização do processo, nomeadamente das tarefas repetitivas, como a separação de produtos, o embalamento e a reposição de inventário, diminuindo erros manuais e aumentando a rapidez. E garante eficiência operacional, fornecendo indicadores de desempenho.

O tema teve continuidade na intervenção de Fábio Santos, National Business Development Manager da Modula, que abordou “O VLM no setor pharma”.  E começou por notar que cada vez mais são instalados sistemas de armazenamento vertical no setor farmacêutico, por via do que considerou as dificuldades de espaço e de pessoal, bem como a necessidade de acompanhar a velocidade dos processos, ao nível, por exemplo, dos pedidos, das encomendas e da gestão de stocks,

Afirmando que o setor está a crescer, tendo dado “um salto maior” na pandemia, deu conta de que existe uma procura acentuada por sistemas de armazenamento térmico. Uma procura a que a multinacional italiana responde com módulos de climate control e de clear room, mas também a Next, que se assemelha a uma vending machine, permitindo o acesso a um produto específico ou uma única área do equipamento.

Este crescimento do mercado coloca desafios, com o setor a colocar à Modula questões relacionadas com o “track and trace”, isto é a regulamentação de rastreabilidade de medicamentos e dispositivos médicos, mas também com aspetos específicos da indústria, nomeadamente, relacionados com a gestão do acesso a estes produtos. O aumento dos custos laborais e a dificuldade de recrutamento entram também nesta equação, o mesmo acontecendo com a necessidade de visibilidade do inventário, as previsões da procura e a antecipação das flutuações sazonais.

Os dados como ferramenta de eficiência

Os dados são essenciais nesta gestão e foi sobre dados que se pronunciou Maria João Amaral, Market Analysis Manager da GS1, centrando-se na nona edição do estudo Benchmarking Saúde. Trata-se de “uma ferramenta de trabalho” para as empresas, que lhes permite identificar oportunidades de melhoria, na medida em que lhes permite ver como os clientes veem a sua operação.

Envolve toda a cadeia de abastecimento: 20 laboratórios, quatro redes de parafarmácias, oito armazenistas, 467 farmácias comunitárias e 13 grupos de farmácias, possibilitando identificar tendências e prioridades, fornecendo indicadores de eficiência e delineando análises evolutivas, de modo a traçar planos de ação.

No caso específico das farmácias, as principais conclusões apontam para uma melhoria média global face ao ano anterior, com as prioridades relativas ao serviço logístico a envolverem o bom estado do produto, a diminuição de erro nas faturas, uma maior eficiência nas notas de crédito, agilidade logística lead time e gestão de devoluções.