Riscos e transformação digital: esta dialética esteve em foco nas intervenções que encerraram o período da manhã na Procurement Conference, esta quinta-feira, 10 de outubro. Trata-se de um tema transversal à cadeia de abastecimento, em que a gestão dos dados é fulcral, em nome da transparência do processo de negociação e de decisão.

O tema começou por ser abordado pelo Risk & Broking & Sales Leader da WTW, Luís Teixeira, que apresentou à plateia a sua visão sobre “Monitorização dos riscos de supply chain na era digital”. De que forma as empresas estão atentas aos riscos, o que estão a fazer para os mitigar, de que tecnologia se socorrem – estas foram questões que suscitou, justificadas pelo contexto pandémico. Isto porque – disse – a pandemia tornou visível a exposição das empresas a riscos para os quais não estavam sensibilizadas.

Um estudo global conduzido pela WTW confirmar esta visão, evidenciando, desde logo, que, após a pandemia, as empresas se aperceberam de que as perdas financeiras eram superiores ao previsto – 65% dos dirigentes inquiridos atestaram isso mesmo. Até então, as empresas estavam muito focadas nos riscos de curto prazo, relacionados com os fornecedores, por exemplo, e apenas 25% delas olhavam para os riscos de médio prazo, entre eles os climáticos e os geopolíticos.

E, se o choque inicial introduziu alterações na gestão de risco da cadeia de abastecimento, o estudo mostrou que apenas 18% dos inquiridos reformaram por completo a abordagem. E a mudança – sustentou Luís Teixeira – implica passar de uma relação transacional com os fornecedores para uma relação colaborativa.

Entre as conclusões, emerge ainda o facto de a maioria das empresas – 77% – não possuir dados sobre os riscos associados aos fornecedores, a maior parte das vezes porque estes invocam questões de confidencialidade. Por outro lado, quase 90% das empresas reconheceu que os seguros são uma ferramenta essencial para gerir o risco, se bem que 80% tenha indicado que faltam seguros para os riscos de médio prazo – isto é, que permitam, por exemplo, indemnizar as empresas por perdas financeiras devidas a disrupções na cadeia de abastecimento.

Este estudo permitiu perceber – nas palavras do orador – que as empresas já estão a olhar para os riscos, atendendo a um contexto de incerteza global que os torna mais diversos e mais frequentes. São riscos associados à sustentabilidade, à cibersegurança, à reputação, à geopolítica e aos fenómenos climáticos. “Reconhecem que estes riscos existem, mas precisam de informação para os gerir”, comentou, adiantando que existem ferramentas que ajudam a fazer este exercício de previsão e diagnóstico. É o caso do WTW Supply Chain Risk Diagnostic, cujas funcionalidades apresentou de seguida.

Muitos dos riscos que as empresas enfrentam decorrem das novas exigências de sustentabilidade e do seu enquadramento tripartido – Ambiental, Social e de Governance (ESG, na sigla inglesa). Sobre este tema debruçou-se o coordenador Soluções de Gestão de Risco, Compliance e ESG da InformaDB, Tiago Conde, numa intervenção subordinada ao mote “A nova era do procurement: transformação digital, o novo paradigma do risco e sustentabilidade”.

A primeira deixa que deixou foi que o paradigma da gestão de compras está a mudar: se antes se focava no preço (menor), na rapidez (maior) e na margem (maior), atualmente enfrenta as consequências da inflação, as exigências de cumprimento normativo e uma crescente carga burocrática, mas também maior complexidade das cadeias globais. Nesta equação ocupa também lugar a necessidade de monitorização contínua da cadeia de valor, com integração dos dados dos fornecedores e incorporação dos critérios ESG na escolha dos mesmos, mas também a automação de processos e da tomada de decisão.

“Quando olhamos para os fornecedores, vemos apenas a ponta do iceberg, a partir da informação que está disponível, e identificamos alguns riscos, mas na base do iceberg está um conjunto alargado de riscos que tem de ser tido em consideração”, alertou. E, entre esses riscos ocultos, incluiu a falta de informação sobre os fornecedores, fontes de informação inadequadas, informações desatualizadas, sistemas desconexados. Tudo isto – afirmou – resulta em visibilidade limitada de terceiros, o que pode levar a interrupções na cadeia de abastecimento e a exposição a riscos adicionais – financeiros, cibernéticos, de atividade fraudulenta, entre outros.

E, portanto, “faz todo o sentido mitigar estes riscos”, sustentou, defendendo a importância de melhorar processos. “A transformação digital pode resolver grande parte dos problemas”, defendeu.

Contudo, “não faz sentido falar em transformação digital sem falar nos dados”, sendo que cada vez mais os investidores têm em consideração os dados ESG, exercendo uma pressão crescente em toda a cadeia de valor, com esses critérios a pesarem na escolha dos fornecedores. Até porque – sublinhou – “existe uma correlação positiva entre o desempenho ESG e o desempenho empresarial”.

Contudo, colocam-se alguns desafios: a falta de transparência e rastreabilidade dos dados ESG; a falta de qualidade e credibilidade desses dados; e ainda a falta de sistemas de recolha e análise dos mesmos. É este o terreno de atuação da InformaDB. “Know your supplier” é o mote de uma plataforma que assenta essencialmente em dados oficiais, cruzando a base de dados global da companhia com o universo empresarial e incorporando cerca de 60 critérios nas três dimensões.

Este é um conhecimento que permite antecipar o que pode acontecer numa hora de almoço, a da conferência, por exemplo: 24 novos negócios abrem portas; 11 empresas extinguem-se; 10 números de telefone mudam ou são desligados; 11 empresas alteram o pacto social; 26 gestores são alterados; uma empresa é declarada insolvente.

A automação emerge, assim, como instrumento estratégico na mitigação de riscos, mas também na eficiência da área de procurement. Uma das soluções com provas dadas é a Purchase to Pay (P2P), da Develop, dada a conhecer pelo Sales Manager, Romeu Klug.

Trata-se de um portal, passível de integração com os vários ERP e cujo workflow integra todas as valências associadas ao procurement: administração do sistema, portal do fornecedor, requisições, contratos, encomendas, documentos financeiros, despesas e pagamentos.

Todas as soluções são modulares, dependendo do fluxo de cada empresa, com a vantagem adicional de gerar automaticamente relatórios personalizáveis. Numa apresentação prática, o responsável da empresa demonstrou, passo a passo, as etapas do portal e o que aporta em termos de facilitação e otimização de processos.

Em concreto, deu conta de que as soluções standard da aplicação a tornam uma “excelente escolha” para empresas com processos mais simples de aquisição, sendo que existe a capacidade de modulação à medida, possibilitando, assim, adaptá-la aos processos mais complexos das médias e grande empresas, que necessitam de um elevado nível de customização, de notificações e de regras no decorrer de todos os fluxos.

“É uma ferramenta completa e com grande capacidade de adaptação à realidade de cada empresa no que diz respeito ao processo de aquisição de bens e serviços”, realçou, concluindo que o P2P pretende simplificar, organizar, digitalizar e controlar os processos, reduzindo o esforço e a carga administrativa inerentes.

É também numa plataforma que assenta o serviço desenvolvido pela Value Negociation Tecnhologies, uma startup portuguesa inspirada na metodologia de Harvard e que se propõe colocar a tecnológica ao serviço da transparência, da rapidez e da criação de valor na cadeia de abastecimento. Foi sobre a VN Tech que falou o CEO e cofundador da empres, André Dória.

Sendo professores em escolas de negócios, os fundadores da VN Tech propuseram-se desenvolver uma ferramenta que permitisse a prestação de serviços mais profissionais numa lógica de win-win. “Quando falamos em negociação, precisamos pensar em quanto valor estamos a criar para a nossa empresa”, declarou, assegurando que “a ideia não é substituir os negociadores”, mas, sim, ajudá-los a serem mais objetivos, mais eficientes. De certa forma, acrescentando uma camada de sofisticação à negociação.

E, assim, a solução criada permite mapear o valor total para a empresa do que está a ser negociado com os fornecedores, reduzindo o risco e aportando benefícios. Tendo como ambição a eficiência máxima, com otimização dos recursos, sejam preços, pagamentos ou datas de entrega.

O sistema permite, pois, desenhar os contratos, num espírito colaborativo em que se têm em conta interesses e preocupações, tentando chegar a uma solução que “agrade a toda a gente”, mas com “números legítimos”. Isto porque todas as variáveis estão plasmadas na plataforma. A transparência é o fio condutor, que leva, inclusivamente, a explicar aos fornecedores os fatores que impediram que ganhassem o contrato. “A adjudicação é objetiva. Tem de fazer sentido para todos”, sintetizou André Dória, numa apresentação em que teve a presença de um cliente – a comp-RAR, central de compras do Grupo RAR, representada por Luís Vasconcelos e Helder Lobo.

Tal como na VN Tech, o empreendedorismo está na génese da Top Brands, que se apresenta como uma “fábrica de marcas”. A apresentação, na conferência, esteve a cargo do seu fundador e general manager, João Saramago Tavares, que recuou a 2018, ano de nascimento da empresa. Viu na identificação de falhas de produto do retalho a oportunidade para negociar com fabricantes ou importadores na Europa, comercializando esses produtos depois em Portugal. A operação iniciou-se em agosto e, no final do ano, gerou um milhão de euros em volume de vendas, um desempenho acima das expectativas.

Continuou a crescer, com foco nas vendas, até que, quatro anos volvidos, se chegou ao que João Tavares descreveu como um “impasse”: “Não estávamos a acrescentar bada ao mercado, só fazíamos a relação comercial. Queríamos ir mais longe e começamos a estudar o global sourcing, tendo percebido que poderíamos produzir as nossas próprias marcas.”

Assim foi: a empresa criou um departamento de procurement, iniciou um processo de identificação de geografias com fábricas onde pudesse produzir as suas marcas com qualidade e a um preço competitivo.

Dez anos depois, a Top Brands possui 15 marcas, em dez áreas de negócio e com clientes de retalho em oito países. “O grande objetivo é trabalhar todas as sazonalidades e todas as etapas da vida das pessoas”, afirmou.

Os números atestam o crescimento: em 2023, as vendas alcançaram os sete milhões de euros, 100% no mercado nacional; e este ano, com a internacionalização, estima chegar aos dez milhões.