O novo paradigma da nova sociedade: “temos de nos adaptar à nova realidade, ter flexibilidade, ouvir, ponderar e ceder”. Há mais de 15 anos que faço contratações, e antes bastava inscrever um anúncio num site sem custos, e em poucas horas, tinha mais de 300 respostas. Passava os fins-de-semana a ler. Sim, porque durante o dia de trabalho não tinha tempo para ler CV’s. Selecionava 50 e respondia aos restantes que, infelizmente, não tinham sido selecionados. Este trabalho era árduo, e se fosse preciso ocupava-me o sábado e o domingo.
Desses 50 escolhidos voltava a selecionar outros 5, respondia e marcava as entrevistas. Tudo para o mesmo dia com intervalo de 20 minutos. Lá eu esperava pelos candidatos à terça-feira. Sempre fui despachada. Em 20 minutos tinha de conseguir que quisessem trabalhar comigo e tinha de achar a empatia para os querer com a minha equipa. Fiz contratações na Decathlon, no café, na praia, na hora do almoço, durante uma viagem. Sempre que encontrava alguém conhecido tentava logo perceber se servia para trabalhar comigo. Nunca gostei muito da parte de ler currículos e fazer as entrevistas, portanto, nada melhor do que fazer uma entrevista de uma forma descontraída. As condições não eram muitas. Apresentava o ordenado acima da média e um micro-ondas para aquecer a comida.
Hoje em dia é tudo diferente. Coloco os anúncios em vários sítios, alguns a pagar. Respondem meia dúzia de candidatos, a maioria nem preenche os CV´s. Só tem morada e pouco mais. Não têm qualquer cuidado na forma como escrevem nem ao que se candidatam. E marco as entrevistas com intervalo de 30 minutos. Subi o tempo para dar tempo para os atrasos dos candidatos, e – pasme-se -, de 5 marcados aparece um ou, na loucura, duas pessoas. Aos que não aparecem nem sequer ligam a dar uma satisfação.
Também passei a utilizar empresas especialistas em contratação, e fazem um excelente trabalho, pois pré-seleciona os candidatos adequados às nossas exigências. Ao submeter uma “candidatura” depreende-se que quer ocupar aquele lugar na empresa, nem que seja para, um dia, progredir e passar para outro departamento, mas temos de começar em algum lado. Penso eu que seja a melhor abordagem.
Dou-vos alguns exemplos:
- Candidatura a armazém e distribuição, e não tem carta de condução. (Bom, eu penso, “está a tentar a sorte”, mas não, não é isso que se passa, porque são selecionados para trabalhar e depois desistem nos primeiros dias). Não são tolerantes aos horários da restauração, tal como se passa no inverso, a restauração não tolera entregas fora do horário que estipula. As condições são favoráveis, ordenados compatíveis com a função, várias regalias oferecidas pela empresa, e um bom ambiente de trabalho.
O mercado de trabalho mudou muito. Na década 70 trabalhávamos para conquistar, para um dia comprar um carro, casa, constituir família. Hoje não é assim. Entram a exigir várias regalias e sem margem para negociar. Ou cedemos ou não aceitam o cargo. Claro que tive de mudar a estratégia. Agora adaptei-me de alguma forma a várias mudanças.
- Outro exemplo, para um vendedor: Quer vender, obter comissões…várias coisas que os motivem a trabalhar todos os dias, mas não querem deslocar-se, não querem andar fora do escritório, ter contacto com os clientes. Para o novo vendedor basta ser por email ou mensagens pelo WhatsApp. Está ótimo. Fazem grandes negócios, dizem eles, mas depois na semana seguinte já esqueceram o tal cliente porque não houve a tal empatia, a construção de uma relação.
Podia estar aqui a contar inúmeras situações que acontecem que, no meu ponto de vista, está diferente. Algumas piores porque vê-se no resultado, mas nem tudo está mal. Eu sinto que os jovens já querem melhores condições, aquelas que nunca tivemos no início da carreira, e isso não abdicam. Acho bem, e os empregadores precisam mesmo de oferecer melhores condições, não só salariais, mas a nível de conforto e ferramentas de trabalho. Essas são disponibilizadas na empresa por iniciativa minha, não por imposição de alguém, mas mesmo assim ainda é preciso mais.
Cada vez mais as pessoas querem o teletrabalho, ter mais tempo para a família, balancear a vida profissional com a pessoal, mas na realidade não é isso que acontece porque desligam o PC às 18 horas e ficam no sofá. Acabam por não descontrair, não vão sair e fazer amizades, não convivem com os colegas de trabalho porque não querem – já ouvi frases do género “não vim para fazer amizades” – não fazem desporto, e cada vez mais ficam reféns dos jogos on-line e da vida antissocial.
A palavra amizade não é necessária, mas é preciso aprender com os outros. Todas as pessoas são válidas, e sem o convívio não se aprende. Voltamos a isolarmo-nos da sociedade e vamos passar a ser como os países subdesenvolvidos, fechados em casa, sem família, sem amigos, sem a sociedade.
Na minha análise, e sobre o que tenho lido, têm vindo a crescer de forma exponencial os problemas psicológicos, e acredito que esta nova forma de viver contribui de forma acelerada para estes problemas. Mas se há coisas erradas, há também muitas certas, e por isso é preciso mudar a mentalidade. Conclusão: tive de me adaptar à nova realidade. Não podemos ser retrógradas e pensar que “antes era assim por isso continuamos assim”. Não, temos de nos adaptar à nova realidade, ter flexibilidade, ouvir, ponderar e ceder.
Anabela Marcelino, Diretora Geral | Keta Foods