No “métier” da logística aérea, era piada clássica a expressão «a carga não se queixa», sobretudo perante algumas condições em que acabava por voar, principalmente em aeronaves menos convencionais, como alguns cargueiros da antiga União Soviética (antonovs e companhia). Os tempos mudaram e, hoje, as exigências são outras. Toda a estrutura que acompanha uma operação de carga é cada vez mais complexa, para permitir o acompanhamento real do movimento e, em muitos casos, monitorizações diversas.

Desde a pandemia que os números de transporte aéreo de mercadorias têm verificado um crescimento continuo. Obviamente que o comercio eletrónico tem sido um dos grandes responsáveis por este incremento, bem como os constrangimentos diversos a afetarem outras modalidades (por exemplo o marítimo). O transporte aéreo oferece não só um tempo de transito imbatível, mas também um nível de controlo maior por parte de expedidores e clientes finais.

O nosso retângulo à beira-mar plantado, tantas vezes votado ao ostracismo dos «coitadinhos da localização periférica», tem verificado um crescimento sem precedentes nas movimentações de mercadorias por via aérea. Novas rotas introduziram novas geografias e acesso a mercados para lá dos tradicionais.

Ora este crescimento exponencial provocou naturalmente a saturação das principais infraestruturas de carga aérea nacionais, nomeadamente nos aeroportos de Lisboa e Porto. Se no Porto o número de ligações regulares internacionais é menor, intensificou-se o fluxo a partir de Lisboa, sendo permanente o fluxo rodoviário de mercadorias de norte para sul com o propósito de embarcarem no cada vez mais saturado Terminal de Carga do Aeroporto Humberto Delgado. Aliás, qualquer um dos terminais de Lisboa, passageiros ou carga, apresenta picos de congestionamento que tornam complicado o quotidiano operacional.

Com o novo aeroporto de Lisboa ainda distante no horizonte temporal, decidiu o governo da república o investimento em melhorias consideráveis no aeroporto Humberto Delgado, de forma a colmatar o atual estado de exaustão, aumentar a qualidade da experiência aeroportuária e permitir alguns movimentos aéreos adicionais.

Como se adivinha, e não estivéssemos em Portugal, onde a incompetência é premiada em cada esquina, o investimento no terminal de carga será nulo, apesar de todas as vozes que repetidamente chamaram à atenção para o estado da infraestrutura de carga e da sua necessidade de investimento e melhorias, e destaco a APAT na voz do seu presidente. O investimento foi totalmente posto de parte. Nem o miserável parque de estacionamento terá melhorias. Nulo. Rien de rien. Aparentemente, terá existido um esquecimento. Terá sido essa a explicação de um responsável da concessionária do aeroporto ao confidenciar entre sorrisos por certo idiotas, a um importante stakeholder aeroportuário isso mesmo: Tratou-se de um lapso. Uma distração. E com essa distração teremos de continuar a viver com armazéns cheios, carga no chão à chuva, processos documentais atrasados, e Madrid ali tão perto onde tudo é mais simples e onde os decisores não se esquecem.

No fim como é obvio, a culpa foi da carga que nunca se queixa.

Filipe Antolin Teixeira | Time Critical & Charter Specialist | Santos e Vale

Nota : Quaisquer crenças, opiniões ou pontos de vista expressos neste artigo são os do autor e não representam necessariamente os da organização.