Nos últimos meses, tenho-me dedicado a um tema que considero essencial para o futuro da logística e da economia em Portugal e na Europa: a escassez de motoristas de pesados e os múltiplos desafios que esta profissão enfrenta.

A minha jornada começou com um olhar atento para os dados. Segundo os Censos 2021, Portugal conta com 118.322 motoristas, mas a realidade esconde números preocupantes:

  • Grande parte está acima dos 50 anos, o que evidencia o envelhecimento da profissão.
  • Apenas 4.324 são mulheres, representando 3,7% do total, o que reflete uma oportunidade pouco explorada para atrair novos talentos.
  • A entrada de novas gerações tem sido insuficiente para compensar as saídas, o que ameaça a sustentabilidade do setor. Sem motoristas, as cadeias de abastecimento tornam-se vulneráveis, afetando toda a economia.

Estes dados confirmam que precisamos de agir com urgência. A profissão de motorista é essencial para garantir o funcionamento das cadeias de abastecimento, mas está a tornar-se cada vez menos atrativa devido a fatores como longos períodos longe de casa, condições de trabalho desafiantes e salários pouco competitivos.

 

 

Propostas para Um Futuro Melhor
Ao longo deste percurso, partilhei ideias e debati possíveis soluções com profissionais da área, transportadores e entidades públicas. Entre os pontos discutidos, destaco:

  1. Plataforma Europeia de Cross-Docking:
    – Uma infraestrutura que permita o intercâmbio de cargas entre países, reduzindo o tempo que os motoristas passam longe de casa e melhorando a eficiência logística.
  2. Atualização da Formação CAM:
    – Tornar a formação mais prática e alinhada com as exigências reais da profissão, garantindo que os motoristas estejam melhor preparados para os desafios diários.
  3. Valorização da Profissão:
    – Investir na melhoria das condições de trabalho, incentivar a entrada de mulheres no setor e reconhecer publicamente o papel crucial dos motoristas.
  4. Inovação e Sustentabilidade:
    – Apostar em soluções modernas, como o uso de mega trailers, para responder às necessidades do transporte rodoviário e reduzir a pegada ambiental.

 

Um Encontro Marcante com o IMT
Recentemente, tive a oportunidade de reunir-me com o Presidente do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), Prof. Doutor João Jesus Caetano. Esta reunião, marcada pela cordialidade e profissionalismo, permitiu debater algumas destas ideias. Entre os pontos discutidos, destaco:

  • A intenção do IMT de acelerar a digitalização de processos administrativos, como cartas de condução e licenciamento de viaturas, para reduzir a burocracia;
  • A necessidade de ajustar a formação CAM, que foi reconhecida como estando desatualizada face às exigências da profissão;
  • A abertura para validar soluções inovadoras, como os mega trailers, para melhorar a eficiência do transporte rodoviário.

No entanto, ficou claro que as mudanças profundas dependem de um esforço conjunto entre transportadores, agentes logísticos, clientes e decisores políticos.

Esta jornada reforçou a minha convicção de que a valorização dos motoristas é essencial para garantir a sustentabilidade da logística. Sem eles, as cadeias de abastecimento não funcionam, e a economia como um todo sofre. Por isso, é crucial:

  • Atrair novas gerações para a profissão, oferecendo melhores condições de trabalho e equilíbrio entre vida pessoal e profissional;
  • Promover colaborações estratégicas entre empresas, associações e entidades públicas;
  • Apostar na inovação como motor de mudança, adaptando as soluções às necessidades do setor.

 

Revolução na Logística: A Plataforma Europeia de Cross-docking
Entre as várias soluções para enfrentar os desafios da profissão de motorista e a sustentabilidade da logística, acredito que a criação de uma plataforma europeia de cross-docking pode ser uma mudança transformadora para o setor.

O que é o cross-docking?
O conceito de cross-docking baseia-se na transferência direta de mercadorias de um veículo para outro, sem necessidade de armazenamento prolongado. Esta abordagem reduz tempos de espera, otimiza o fluxo de operações e torna os transportes mais ágeis.

Vantagens de um armazém europeu de cross-docking:

  1. Redução do tempo de viagem dos motoristas:
    – Com uma plataforma central, os motoristas internacionais poderiam realizar rotas mais curtas e frequentes dentro dos seus próprios países, permitindo-lhes regressar a casa mais vezes. Isto não só melhora a qualidade de vida, mas também torna a profissão mais atrativa para as novas gerações.
  2. Sustentabilidade e redução de emissões:
    – Racionalizar as rotas e evitar viagens desnecessárias contribui diretamente para uma menor pegada de carbono no setor dos transportes, alinhando-se com os objetivos de sustentabilidade da União Europeia.
  3. Rapidez e eficiência nas operações logísticas:
    – A troca de mercadorias em pontos estratégicos reduz os tempos de entrega e otimiza a utilização dos veículos, diminuindo custos para os transportadores e aumentando a satisfação dos clientes.
  4. Integração e colaboração europeia:
    – Uma plataforma comum promove uma logística mais integrada entre países, fomentando a colaboração entre transportadores, agentes logísticos e clientes.

Por que precisamos de um armazém europeu de cross-docking?
O modelo tradicional, onde os motoristas muitas vezes percorrem longas distâncias entre o ponto de origem e o cliente final, não é sustentável no contexto atual. Além de ser desgastante para os motoristas, resulta em ineficiências e impacta negativamente a sustentabilidade do setor.

A criação de um armazém europeu de cross-docking permitiria transformar esta realidade, com benefícios diretos para:

  • Motoristas: Redução do tempo fora de casa e maior equilíbrio entre vida profissional e pessoal;
  • Empresas: Maior eficiência logística e redução de custos operacionais;
  • Sociedade: Contribuição para uma economia mais verde e resiliente.

Esta é uma solução que deve ser explorada em conjunto por todos os agentes do setor, com o apoio de decisores políticos, associações e grandes operadores logísticos. A sua implementação exige coordenação, mas o impacto positivo no futuro da logística e na valorização da profissão de motorista será imenso.

Pedro Paiva | diretor de logística | Panidor