Durante o ano de 2023 ocorreram 531 acidentes de trabalho considerados graves em Portugal, menos 174 acidentes que em 2022, de acordo com a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT). Verificou-se, também, o registo de 135 acidentes mortais, um número semelhante ao ano anterior.

 

A indústria de armazenamento e transporte é responsável por 13 dos acidentes graves e 12 dos acidentes mortais em 2023. Embora o número de acidentes graves tenha diminuído bastante (31 acidentes em 2022), o número de acidentes mortais quase duplicou (7 em 2022). Estes dados realçam a importância de avançar com o objetivo principal comum de todas as empresas deste setor: a maior segurança nos locais de trabalho.

Muito se tem falado no “Risco ZERO”, e apesar de se tratar de uma utopia uma vez que não é possível eliminar o risco, trata-se de um conceito que espelha o grau de exigência e comprometimento de uma organização em matéria de desenvolvimento da sua cultura preventiva. Os objectivos traçados pelas organizações, antes de reduzirem a ocorrência de acidentes, devem passar por criar uma grande base de trabalho na mudança cultural que constitui a verdadeira implementação da cultura preventiva sustentada. Com investimento na inovação, na cultura, em programas específicos de prevenção e formação, é possível obter excelentes resultados num setor profissional como o da logística, cujas idiossincrasias e particularidades obrigam a dar mais importância à segurança do que noutros setores.

A segurança deve ser uma prioridade na política empresarial e antecipar as ocorrências é o primeiro passo. Por conseguinte, é fundamental garantir um envolvimento de todos os níveis da organização para identificar e tratar os quase acidentes e os perigos nos locais de trabalho. Os factores humanos e comportamentais que estão por detrás de 60% dos sinistros, devem ser analisados como parte do plano de acção preventivo de uma organização.

A isto, junta-se uma forte componente de comunicação, informação e formação contínua dos colaboradores, que visam incutir a cultura preventiva no seu dia-a-dia. A Segurança começa ao levantar da cama e acompanha cada indivíduo ao longo do seu dia. Se 50% do tempo é passado em meio laboral, então recai sobre as organizações, hoje em dia, o papel fundamental na educação e elevação da cultura de segurança de cada indivíduo seja trabalhador de uma empresa ou pai/mãe de família.

O investimento em programas específicos e na inovação ajudam a proporcionar uma maior segurança aos profissionais deste sector num ambiente tão complexo e “físico” como o de um centro logístico, onde a coexistência entre máquinas, grandes volumes de mercadorias, sistemas de armazenamento vertical e profissionais, é um imperativo.

Num centro com estas características, onde decorrem diversas actividades que requerem a movimentação de cargas pesadas, o manuseamento de porta-paletes, a existência de empilhadores e plataformas elevatórias, em simultaneidade com os trabalhadores, normalmente representam os principais riscos do setor. Por outro lado, a logística ao consumidor final obriga a movimentações de mercadorias que, por vezes, são manuais o que potência as lesões musculo-esquelécticas (com grande impacto sobretudo em faixas etárias mais avançadas). Quedas e tropeçamentos devido a objectos no chão ou até mesmo desníveis, embates em estruturas ou objectos fixos, cortes ou queda de objectos causam danos ligeiros.

A implementação proativa de medidas específicas, por parte das empresas, deve acompanhar as mais recentes tecnologias de AI para a análise comportamental, como também em matéria de detecção e sinalização de locais de risco acrescido ou na imediação de máquinas em movimento. A própria sinalização de caminhos de circulação que se faz com a tradicional pintura, tem ao dispor várias soluções técnicas com sistemas de projecção de imagem, que simultaneamente permitem ao centro adaptar-se rapidamente às mudanças de layout, tão comuns neste sector. O uso de robots para descargas de veículos ou para realização de actividades de picking de objectos pesados ou de grande dimensão, são cada vez mais a realidade, que visam mitigar os principais riscos deste sector.

O investimento em inovação e tecnologia robótica é fundamental para proteger os trabalhadores. Ainda assim, a base da pirâmide deve ser o principal foco da gestão de topo. Nela encontram-se os elementos mais básicos do comportamento humano. A evolução faz-se criando rotinas de forma consistente. Nenhum atleta alcança resultados olímpicos sem planos e sem consistência e persistência, no treino. Também na segurança é preciso desenvolver e manter planos e rotinas de forma consistente.

Ao longo dos anos, a análise de causas, tem revelado uma predominância dos factores humanos como base da maioria dos sinistros. Não é possível dissociar a relação pessoal-profissional e por esse motivo, as organizações do setor deverão incluir abordagens de gestão comportamental da segurança (BBS Behaviour Based Safety). As abordagens devem passar por reconhecimentos e alertas aos comportamentos, workshops, feedbacks, formação e informação, rotinas diárias e sobretudo uma permanente consciência para os perigos. Os formatos de comunicação e a digitalização vieram tornar mais apelativos e rápidos os meios de report e seguimento.

Conforme evolui a tecnologia e as tendências, é importante aproveitar essas ferramentas a favor de um tema muitas vezes cinzento. Desenvolver dinâmicas de competição interna com KPI de segurança ou convidar e envolver os filhos dos trabalhadores em actividades da organização, tendem a ajudar a olhar para a temática como algo mais positivo e emocional. É muito impactante ver uma criança no local de trabalho a pedir que o seu pai/mãe use o x-acto da forma correcta.

Os operadores logísticos precisam de garantir a implementação de acções personalizadas e adaptadas aos riscos e problemáticas de cada instalação. As soluções técnicas estão amplamente disponíveis no mercado nacional e internacional. Por outro lado os modelos comportamentais vêm dar estrutura e robustez ao plano cultural a desenvolver. Estamos convictos de que não há soluções mágicas, mas colocar o foco nos aspectos mais básicos e simples de forma consistente e coerente, tem demonstrado resultados positivos.

O setor português do armazenamento e do transporte tornou-se mais seguro nos últimos anos, tendo em conta a diminuição de acidentes graves. Mas ainda há um grande caminho a percorrer para se aproximar do tão desejado slogan “Zero acidentes”. Para que a evolução seja uma realidade, é necessário que exista todo o apoio por parte das direções das empresas deste setor. Este tem sido e continuará a ser um fator fundamental.

Os colaboradores, clientes, fornecedores e parceiros de negócio devem colaborar entre si para cumprir os preceitos desta política e exigir que estes sejam cumpridos por todos os envolvidos.

A segurança deve ser encarada como parte integrante da política das empresas e uma responsabilidade básica de todos os stakeholders.

Rui Gomes, Country Manager para Portugal da DHL Supply Chain